30.4.07

A partilha



Tough, you think you’ve got the stuff
You’re telling me and anyone

You’re hard enough

You don’t have to put up a fight

You don’t have to always be right

Let me take some of the punches

For you tonight

Listen to me now
I need to let you know

You don’t have to go it alone

(…)

And it’s you when I look in the mirror
And it’s you that makes it hard to let go

Sometimes you can’t make it on your own

Sometimes you can’t make it

Best you can do is to fake it

Sometimes you can’t make it on your own

(Sometimes You Can't Make It On Your Own, U2)


Foi preciso chegar até aqui para enxergar o óbvio. E não estou a falar de sexualidade nem de desejo. Vai muito além disso, podem acreditar. Estou a falar de partilha. Dou-me conta, finalmente, de que nunca vou ter uma relação plena se continuar a insistir no que tomei como padrão.

Recuo no tempo e não percebo de onde me vem esta fobia ― quase um pavor doentio ― à exposição, à vulnerabilidade, a mostrar-me ao outro sem pudor. Só sei que não me lembro de ter sido diferente alguma vez. Ignoro realmente o que me levou a isto. Acho que tenho feito tudo para me antecipar à dor, à desilusão. Porquê não sei, nunca fui um fraco, mas só um cobarde vive pela metade.

Ergui barreiras de protecção, vejo-o hoje nitidamente, como medida de prevenção e não como reacção a algo de concreto. Quis convencer-me que era uma atitude perfeitamente legítima, a de querer preservar-me a todo o custo, mas onde antes via sensatez, agora só vislumbro egoísmo. Pus-me a salvo de grandes dissabores amorosos, é certo, mas, em contrapartida, também me esquivei a muita coisa que merecia a pena ser vivida. Ter medo de ser infeliz é meio caminho andado para não sermos felizes. Não por inteiro, pelo menos.

No inventário do amor, não há grandes perdas a lamentar, mas também não há grandes feitos a celebrar. Um balanço equilibrado, ilusório porque me fez acreditar que, garantida a minha paz de espírito, ficaria livre para viver tudo o resto intensamente. Puro engano.

Fiz do “nunca exijas aos outros o que não lhes podes dar” o meu estandarte. Iludi-me que estava a ser justo ao nunca exigir mais do que podia, ou queria, dar. A partilha, a verdadeira partilha, é bem mais do que isso. É dar e receber, é certo, mas é também estar disposto a dar mais do que o outro nos pediu. É ter a grandeza de nos mostrarmos despidos, sem artifícios, sem reservas, sem lugares de sombra e, sobretudo, sem medo de agarrar a mão que nos é estendida quando estamos no chão.

O medo de sermos rejeitados, de não sermos compreendidos, de não sermos amados como achamos que merecemos faz parte da vida, mas o medo não tem meias medidas. Medo a menos torna-nos inconsequentes. Medo a mais torna-nos seres incompletos. E quem quer viver pela metade?

27.4.07

Dual

E. Gibbons*


Hoje sou dois em um. Nada de extraordinário para quem há muito se habituou a conviver com uma personalidade complexa onde cabem múltiplos estados de alma. Mas como estamos prestes a embarcar num fim-de-semana, que para muitos será prolongado graças ao feriado de terça, deixo-vos à escolha. Não vos quero maçar com os meus devaneios esquizofrénicos. Leiam um, leiam os dois, não leiam nenhum. O certo é que cada um de mim vem acompanhado da respectiva banda sonora, pois isto com música tem outra graça. Divirtam-se!


I. O chato

Please, please forgive me,
But I won't be home again.
Maybe someday you'll look up,
And, barely conscious, you'll say to no one:
"Isn't something missing?"
You won't cry for my absence, I know -


You forgot me long ago.
Am I that unimportant...?
Am I so insignificant...?
Isn't something missing?
Isn't someone missing me?
Even though I'm the sacrifice,


You won't try for me, not now.
Though I'd die to know you love me,
I'm all alone.
Isn't someone missing me?
Please, please forgive me,
But I won't be home again.


I know what you do to yourself,
I breathe deep and cry out
"Isn't something missing?
Isn't someone missing me?"
And if I bleed, I'll bleed,
Knowing you don't care.


And if I sleep just to dream of you
I'll wake without you there,
Isn't something missing?
Isn't something...

(Missing, Evanescence)


Pergunto-me: será possível sentir saudade do que ainda não se viveu, de alguém em cujos olhos ainda não olhámos? E poderá esse alguém também sentir saudade de quem nunca viu? Pergunto, mas a resposta não há meio de chegar…


II. O provocador

Do I attract you?
Do I repulse you with my queasy smile?
Am I too dirty?
Am I too flirty?
Do I like what you like?

(Grace Kelly, Mika)


Olho-me ao espelho e não me reconheço. Não é só o corpo que está a mudar. Também não me lembro de ver antes aquele olhar “à matador” no meu rosto. Estranho, mas não desgosto do que vejo.
Na rua, exercito o meu poder de sedução, não com os homens, mas com as mulheres. Depois caio em mim. Não me lembro de ter sido assim antes tão óbvio. Estranho, mas não desgosto da sensação que isso me provoca.
Faço-me ao elogio sem pudor. Não me lembro de o ter feito antes, não assim de forma tão consciente. Estranho, mas não desgosto daquilo que ouço.
Não sei muito bem de onde saiu este agente provocador de trazer por casa, mas deixem-no estar. Nunca se sabe quando poderei precisar dele. Abram alas e deixem-no passar. Quando estou assim, sou um perigo.

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*Vi esta fotografia no blogue Salsa & Pimenta e não resisti. Zé, espero que não leves a mal a apropriação.

25.4.07

Solidão


Sofro calado
Na solidão

Guardo comigo

A memória do teu vulto

Em vão

Eu fui tão bom pra você

E o resultado

Desilusão

O dia passa

A noite vem

A solução desse caso
Cansei de buscar

Eu vou rezar

Pra você me querer
Outra vez

Como um dia me quis

Quando a saudade aperta

Não se acanhe comigo

Pode me procurar

(Solidão, Caetano Veloso)


A solidão não me assusta. A solidão não me condena nem me julga. A solidão é uma boa companhia quando se quer estar só. Mas hoje senti a falta do toque de uma mão que não a minha. De um afago que não o meu. Quis e não fui tocado ao de leve. E logo hoje que queria sentir a minha pele arrepiada, retesada, contraída. Em antecipação.

Quero de novo a mão que desliza no meu rosto antes de se soltar o beijo. Quero o hálito sussurrado na minha orelha, a mão que acaricia o meu pescoço, os lábios comprimidos contra a barba áspera.

Quero a mão pousada no meu peito. A mão que mapeia o meu corpo, às cegas, apenas guiada pelo instinto. Quero sentir a língua que escorrega por mim. Quero sentir dedos à deriva no fio de suor morno que me escorre pelas costas.

Sinto saudade de sentir alguém aninhado em mim, de sentir um corpo de encontro ao meu. Pele com pele. Fundidos num só.

Sinto saudade de ficar suspenso no tempo, perdido num abraço tão apertado que até me esqueço de respirar ao meu próprio compasso. De ficar impregnado de um perfume agridoce, que não consigo distinguir se é meu, teu ou dos dois. Mesclados num só.

O desejo (aspirar a) e a vontade (querer) não moram longe, mas têm andado desencontrados. Desavindos. Está na hora de se encontrarem. No mesmo dia. À mesma hora. Na mesma esquina. A solidão não me assusta. A solidão não me apressa. Mas hoje não me apetece tê-la por companhia. A solidão envolve-me, mas não me abraça. Vela o meu sono, mas não me toca.

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E não é que quando acabava de escrever estas linhas, de repente, deixei de estar só. Do outro lado da linha tinha um amigo que nunca me regateia elogios. Ele sabe quem é, por isso lhe dedico este post.

23.4.07

Unidos


That I would be good even if I did nothing
that I would be good even if I got the thumbs down
that I would be good if I got and stayed sick
that I would be good even if I gained ten pounds
that I would be fine even if I went bankrupt
that I would be good if I lost my hair and my youth
that I would be great if I was no longer queen

that I would be grand if I was not all knowing

that I would be loved even when I numb myself

that I would be good even when I am overwhelmed

that I would be loved even when I was fuming

that I would be good even if I was clingy

that I would be good even if I lost sanity

that I would be good whether with or without you

(That I Would Be Good, Alanis Morissette)


Dedicado a M.
Fim-de-semana para recordar. Deu para espairecer as ideias. Mudar de ares. Subir e descer ruas que há muito desejava pisar. Ir a lugares onde há muito ansiava estar. Mas o melhor de tudo, mesmo, foi ter estado não só com ela, mas sobretudo com ela. Poucas pessoas no mundo me entendem tão bem. A poucas pessoas no mundo eu permito que me virem do avesso como ela o faz, sem cerimónias e sem panos quentes.

E não é porque ela me passa a mão na cabeça. E não é porque ela concorda com tudo o que eu digo. E não é porque sei que, um dia, ela até desejou ― talvez ainda deseje, não sei ― que fossemos mais do que bons amigos.

É precisamente pelo contrário.

É porque ela sabe ler-me nas entrelinhas. Porque ela não se limita a ouvir aquilo que eu quero que ela escute. Porque ela me questiona e me faz descer ao chão. Porque ela não me diz aquilo que quero ouvir, mas sim aquilo que eu preciso ouvir. Porque ela põe o dedo na ferida e mostra-me que não deixo de ser menos cobarde só porque sei onde falho. Porque ela não alinha com os meus jogos. Porque ela não se comove com as minhas meias verdades, nem se compadece com os meus actos de contrição ensaiados.

Porque para ela não basta que eu aponte o que está mal, que eu tenha consciência dos meus erros, mas que não faça nada para me emendar. Porque ela me enxerga muito para lá do que eu só quero mostrar.

Porque vou ter dúvidas a minha vida inteira, mas ela é uma certeza. Sinto que veio para ficar, aconteça o que acontecer. Para me fazer rir e chorar. Muito para lá do sexo que nunca houve e que, provavelmente, nunca haverá entre nós.

É um encontro de almas. É um amor para sempre.

É alguém a quem eu poderei ou não contar toda a verdade um dia, mas que, independentemente disso, já sabe o que é preciso saber sobre mim. É alguém que, mesmo inconscientemente, está a preparar um encontro que pode mudar a minha vida. É alguém a quem eu tenho de ficar eternamente grato por se ter atravessado à minha frente, porque quando estou com ela sou uma pessoa melhor.

Porque, às vezes, a maior prova de amor que se pode dar a outra pessoa é deixá-la livre para seguir o seu caminho.

20.4.07

O engate*

*Engate: quem ainda não souber o que é, vá ao post anterior.


Tu estás livre e eu estou livre
e há uma noite para passar
porque não vamos unidos
porque não vamos ficar
na aventura dos sentidos

Tu estás só e eu mais só estou
que tu tens o meu olhar

tens a minha mão aberta

à espera de se fechar

nessa tua mão deserta

[refrão:]
Vem que o amor
não é o tempo

nem é o tempo

que o faz

vem que o amor

é o momento

em que eu me dou

em que te dás

Tu que buscas companhia
e eu que busco quem quiser

ser o fim desta energia

ser um corpo de prazer

ser o fim de mais um dia

Tu continuas à espera
do melhor que já não vem

e a esperança foi encontrada

antes de ti por alguém

e eu sou melhor que nada

(Canção do Engate, António Variações)


Este fim-de-semana, vou sair de Lisboa com um grupo de amigos. Por si só, o facto não teria nada de extraordinário, não fossem duas coisas: a presença de uma amiga no grupo de que já falei aqui e o ter decidido não aproveitar a oportunidade para ficar a conhecer, ao vivo e a cores, um blogger com quem ainda cheguei a falar algumas vezes por MSN.

Sobre a primeira situação, não vou falar muito, vou esperar para ver como corre. Muito dificilmente ela avançará se eu não lhe der nenhum sinal nesse sentido ― e eu não vou dar, o problema é que temos uma enorme cumplicidade e estou desconfiado que ela vê nesta viagem uma hipótese de acontecer algo mais. Não quero ser obrigado a entrar em explicações, mas também não quero que ela se sinta rejeitada ou magoada. Uma PORRA, é o que eu vos digo. Eu até já ando com medo de fazer brincadeiras, como reconheço ser meu hábito, e a medir muito bem o que digo, pois parece que, de repente, uma ou duas amigas à minha volta se lembraram de me começar a ver com outros olhos… Um dia destes, uma até me mandou um e-mail a dizer que me achava encantatório (deve ter sido dos elogios mais bonitos que recebi em toda a vida). Mas, logo AGORA? Uma vez, um tipo bissexual confidenciou-me que não há nada como um homem se começar a interessar por outros homens para as mulheres se sentirem atraídas… A ser verdade, só encaro essa reacção kamikaze como algo do género: deixa-me cá “salvar” este antes que seja tarde demais; ou, se eu conseguir trazê-lo de novo para o bom caminho isto só provará que eu sou uma mulher e tanto!? Confesso-me baralhado.

Já o segundo caso não me oferece dúvidas, mas é um precedente que me obriga a pensar naquilo que ando a fazer. Quando li o blogue do fulano em questão ― li porque agora já não leio mais, perdi a paciência para a sua pose ― e das vezes que falámos, não me pareceu má pessoa, mas deu para perceber que, fora algumas coincidências, não temos grande coisa em comum e a nossa forma de estar na vida é muito diferente. Já para não falar que tem uma cabeça complicada. E para complicado já basto eu.

Desde a primeira conversa, sugeriu sempre que marcássemos um encontro para ir beber um copo, “sem intenções sexuais”, ao que eu mostrei sempre grande resistência. Primeiro, não me apetecia sair do anonimato sem mais nem menos, depois porque até acho que pode fazer sentido querer conhecer alguém com quem vamos estabelecendo uma afinidade virtual, mas isso leva tempo e implica ganhar confiança. Neste caso, não só não ganhei suficiente confiança, como acabei mesmo por perder o interesse. Não é para mim.

Isto leva-me, porém, a uma constatação: se eu não frequento discotecas (boates) GLS, se torço o nariz a blind dates, se fujo a sete pés dos chats ― o episódio relatado pelo Bob a esse respeito (espero que não leves a mal esta referência!), só contribuiu para aumentar a minha aversão ― e não me estou a ver na pele do que em Portugal apelidamos de “panasca do urinol” (homem "enrustido" que vai para o engate nas casas de banho/banheiros públicos), como é que eu vou conhecer potenciais parceiros?

Uma boa pergunta para a qual não tenho resposta. Ter até tenho, é capaz é de não ser muito boa. Antes de me embrenhar mais no tema, permitam-me esclarecer uma coisa: não me considero melhor do que ninguém, nem me estou a colocar num pedestal.

Afinal, o que é bom para tantos gays não serve para mim? Não é isso. Também não me estou a armar em romântico ou a fazer de difícil ― até porque a minha mais recente experiência, relatada neste blogue nas entrelinhas, já me fez cair do cavalo e provou-me que, ao contrário do que eu julgava, não é assim tão improvável eu ficar encantado com outro homem ―, mas só acho que até mesmo a queca (transa) básica, descartável como qualquer preservativo (camisinha), pode (atrevo-me quase a dizer que deve, mas vão-me chamar "careta") envolver o mínimo de cumplicidade.

Estou a confundir as coisas e a perverter as regras do jogo? Também não sou assim tão ingénuo. Sei o suficiente da cultura gay para ter consciência que muito do prazer do relacionamento entre homens está, precisamente, no acto de engatar, na queca sem consequências e sem obrigação de telefonema no dia seguinte com desconhecidos, a excitação de ser apanhado com as calças na mão ― acho que foi George Michael, das vezes em que foi apanhado em flagrante, que proclamou o seguinte: fora da cultura gay jamais poderão entender essa necessidade de ir engatar estranhos num banheiro público, mesmo correndo riscos. Não sou totalmente indiferente a essa lógica, mas a atracção pelo abismo não suplanta o medo. Sou medricas (medroso) demais, assumo, para entrar num esquema desses, até porque só consigo pensar em tudo de mau que poderia acontecer (da violência às doenças sexualmente transmissíveis, passando pela falta de higiene).

Talvez por isso, não consigo descobrir grandes diferenças entre os chats e os engates num banheiro público. Sei que os primeiros permitem conhecer pessoas, conversar previamente com elas e abrem um mundo de possibilidades que antes não existiam, mas também estão cheios de armadilhas. Além de que, dá-me a impressão, é tudo muito vapt-vupt para o meu gosto: passivo ou activo? Que idade? Onde? Como? Quando? Com a vantagem, claro está, de se poder abrir uma webcam e mostrar o produto em primeira-mão. Agrada? Não agrada? Tudo muito cru. Tudo muito preto no branco. Deve ser do melhor para quem não quer perder tempo e quer mesmo é ir directo ao ponto. Haja, no entanto, auto-estima à prova de balas, porque o nível de rejeição deve ser uma coisa de doidos. Nada, todavia, que uma couraça em lugar de pele não resolva.

Chamem-me os nomes que quiserem, mas não me apetece sujeitar-me ao escrutínio de eventuais compradores. Sim, porque para mim, mostrar-me por fragmentos numa webcam, com especial enfoque nos pontos que sabemos, não deve ser muito diferente do que se fazia antes nos mercados de gado com as bestas ou nos mercados de escravos com os machos reprodutores. Sei que estou a ser duro, e sujeito-me por isso às vossas críticas e reparos, mas estaria a ser hipócrita se dissesse que penso o contrário.

Se calhar, admito, eu sou um gajo demasiado antiquado. Pois que seja, mas para mim ainda prefiro um engate não virtual, com pessoas de carne e osso à minha frente, a quem possa ouvir a voz, sentir a respiração, sentir o cheiro e olhar nos olhos. Alguém, por mais passageiro que seja na minha vida e eu na dele, que me avalie como um todo e não apenas em função dos bíceps ou do tamanho do pau. E se isso implicar ficar, literalmente, na mão por mais uns tempos, tanto pior, mas ainda não estou a ponto de abdicar de certos princípios. Prazer não é tudo. Não para mim, pelo menos.

Tenham um bom fim-de-semana, que eu também vou fazer por isso!

18.4.07

Dialectos do sexo


Estou-me a vir
e tu como é que te tens por dentro?
porquê não te vens também?
(Porquê, Caetano Veloso)


Hoje não me apetece falar de mim ― não directamente, pelo menos. Apetece-me antes falar da língua. Mas não se apressem a tirar conclusões erradas. Não me vou debruçar sobre os usos a dar a esse espantoso músculo móvel ― quem sabe um dia, num outro post. Estou a falar mesmo da língua enquanto sinónimo de linguagem.

Fernando Pessoa disse “A minha Pátria é a língua portuguesa”. Muitos dos brasileiros que visitam o meu blogue espantam-se pelas diferenças entre o meu português e o vosso, que passam não só pela gramática e pela ortografia, mas também pelas próprias expressões que um e outros utilizamos. Desde o princípio, assumi que queria ser lido por portugueses e por brasileiros. Gosto das duas culturas e sinto-me à vontade em ambas.

Respeito os “bloguistas” portugueses que dizem não se rever na realidade brasileira ― que é, de facto, muito diferente da nossa, e não só no que ao sexo diz respeito ―, e por isso não frequentam os blogues do outro lado do Atlântico, do mesmo modo que respeito os “blogueiros” brasileiros que não mostram interesse em (re)descobrir os portugueses para lá das piadas e dos clichés. Respeito, mas não partilho a visão de uns nem de outros.

Por razões que não vêm agora ao caso, conheço o Brasil razoavelmente bem e estou familiarizado com a sua gíria, por isso, sempre que posso e sei, não hesito em fazer “traduções” simultâneas nos meus posts. Parto do princípio que, como eu, há gente para quem o saber não ocupa lugar. Depois, confesso, sempre achei graça a essa coisa das expressões e das confusões que muitas vezes se geram entre quem, à partida, fala a mesma língua.

Poderia dar uma infinidade de exemplos no caso de Portugal e Brasil, mas como este é um blogue assumidamente sobre a (homo)sexualidade ― ao menos o blogue é, já o resto… passa à frente e, como vocês dizem, “abafa” ―, vou-me concentrar nas palavras que giram à volta do tema e que, todos os dias, andam avulsas nos vários blogues de um lado e outro do Atlântico. Procurei sinónimos que tenham o mesmo peso na forma como são popularmente empregues. Quem se lembrar de mais, é só dizer que eu acrescento ou corrijo.


No Brasil/Em Portugal
Michê-Prostituto
Cafetão-Chulo
Cacete-Verga
“Vou gozar”-“Estou-me a vir”
Bilau-Pirilau
Brochar-Perder a tusa
Sapatona-Fufa
Pinto-Pila
Pica-Piça
Rola-Picha
Bicha-Maricas
Viado-Paneleiro
Porra-Esporra
Chupar-Fazer um broche
Tomar no cu-Levar no cu
Galinha-Pinga-amor
Enrustido-Panasca
Pegar-Engatar
Pegador-Engatatão
Paquerar-Dar em cima

Suvaco-Sovaco

Saco-Tomates
Transa-Queca


Nota de rodapé: Convém esclarecer que em Portugal uma rapariga é, tão-só, uma moça, que um puto não passa de um moleque (mas atenção que puta quer dizer o mesmo nos dois lados do Atlântico), e que pôr-se na bicha, não é mais do que respeitar a fila. Por outro lado, que nenhuma Alexandra portuguesa tenha a triste ideia de usar o seu diminutivo (apelido) Xana no Brasil… As brasileiras, por sua vez, que não se fiquem a rir, pois se vierem para cá dizer que preferem ser chamadas de Cricas (diminutivo de Cristiana), vão receber o mesmo tratamento. E, já agora, sabem que a famosa bunda, palavra que os portugueses só conhecem de a ouvir na boca dos brasileiros, chegou ao Brasil com os escravos angolanos? Para finalizar, e a propósito da letra que coloquei no início deste post, ficam as palavras deliciosas de Caetano sobre as nossas diferenças linguísticas: "Acho bonita a maneira como, linguisticamente, os portugueses resolveram a questão do orgasmo. No Brasil, usamos o verbo gozar, como na França. Mas é como se estivesse acabando alguma coisa. Estou-me a vir é reflexivo, ou seja, fala de si próprio. E ainda dá uma ideia de continuidade".

16.4.07

Agora


Sit down, give me your hand
I'm gonna tell you the future

I see you, living happily
With somebody who really suits you

Someone like me

(Love Show, Skye)


Nunca fui obcecado com o futuro. Sempre me preocupei mais em viver o presente. Por isso, porque é o presente que me importa, dificilmente faria como Corto Maltese, o marinheiro errante, que, certo dia, deixou uma cigana ler-lhe a sina na palma da mão esquerda ― consta que a cigana se benzeu três vezes, horrorizada, ao aperceber-se que a sua mão não apresentava linha da sorte, pelo que Corto não foi de meias medidas e, a primeira coisa que fez quando chegou a casa, foi pegar numa navalha e, zás, de um golpe certeiro traçou a sua própria linha da sorte. Mas também eu, tal como Corto, não sou homem para aceitar aquilo que me calha em sorte sem espernear. Faço questão de traçar os meus caminhos. De assumir as minhas escolhas. Não serei mais feliz ou mais bem sucedido por isso, mas, ao menos, terei o consolo de não ter sido um mero peão e de ter ousado escrever, reescrever se for preciso, uma, duas, três vezes, as vezes que forem precisas, sempre na tentativa de acertar, a história da minha vida.

Faz hoje um mês que abri as portas deste blogue. Num espaço tão curto de tempo, e só pelo simples facto de ter verbalizado certas coisas e de ter sido obrigado a repensar muitas outras, já fiz avanços incríveis. Encaro o que estiver para vir com grande naturalidade. Sem culpa. Sem drama. Sem necessidade de me justificar ou explicar.

Pela primeira vez, acho eu, estou a permitir que a minha sexualidade se torne o eixo da minha vida. Concedo-lhe esta prerrogativa porque acho importante que assim seja neste momento, mas quero acreditar que, em breve, ela voltará a ser apenas um dos eixos e não O eixo. Nunca quis viver em função da minha orientação sexual. Não quero que ela passe a determinar o que faço, com quem faço e onde faço. A minha personalidade é o somatório de muitas coisas. A sexualidade é apenas uma delas. Tal como nunca fui Oz, o hetero, também não quero ser Oz, o paneleiro (viado). Apenas Oz. Sem rótulos. Sem guetos.

Cada vez menos preciso da bissexualidade como muleta. Se tiver que ser gay, serei. Já aqui disse e repito: como teoria acho a bissexualidade uma ideia sedutora, mas, na prática, vejo-a como uma solução de compromisso e não como uma decorrência natural. Posso estar errado, mas parece-me que, cada vez mais, até podemos ser bissexuais por curiosidade durante um tempo, mas só se torna efectivamente bissexual quem o faz por necessidade ou incapacidade de assumir aquilo que realmente o realiza.

Neste espaço de tempo, já conheci algumas pessoas interessantes. Conhecer é uma força de expressão, claro está. Já fiz confidências, já ouvi desabafos. Nalguns casos, com as devidas precauções e limites, até me atrevi a reduzir o grau de anonimato. Para muito poucos, pouquíssimos, passei a ser mais do que uma personagem sem rosto e sem nome próprio.

Tive boas surpresas ― a maioria delas já está ao alcance de um simples clique ―, terei ainda outras, estou certo disso. Também já tive algumas desilusões ― gente a quem despachei com um simples clique, dessa feita no delete. Cheguei à conclusão que há pessoas boas de se ler, mas que não estão abertas ao diálogo e não vêem mais do que o seu umbigo. E como há egos inflamados na blogosfera!

Já não me irrito mais com a separação de águas entre machos alfa e machos ómega. Para quem gosta de citações bíblicas, aqui vai uma de Jesus: “Sou alfa e ómega. Sou o princípio e o fim!” Eu acrescento: se puder ser alfa e ómega, por que raio hei-de eu querer limitar-me a ser uma só coisa?! Para bons entendedores, estas palavras bastam.

Há pouco tempo, alguém que esteve na origem deste “despertar” acusou-me de ter imensa dificuldade em comprometer-me. É verdade. Mas talvez por isso mesmo, por saber que não me comprometo facilmente, tenho sempre muito cuidado com o que digo, sobretudo em não prometer coisas da boca para fora. Foi por isso que acreditei quando te despediste, invariavelmente, com um “até amanhã!”. Acreditei e fiquei à espera. Em vão. Até hoje.
Nem de propósito, deixo-te o refrão de uma canção dos Rádio Macau que me acompanha desde há muito:

Dizes-me até amanhã
que tem de ser, que te vais
porque o amanhã, sabes bem
é sempre longe demais

Acendo mais um cigarro
invento mil ideais
só que amanhã sei-o bem
é sempre longe demais

É uma pena, mas amanhã pode mesmo estar, no nosso caso, longe demais. E eu, já o disse, prefiro viver o agora.

13.4.07

À flor da pele


Fechaste as portas do teu mundo
Na esperança de ele se encontrar

Vais contando o tempo quase ao segundo

Parece não querer passar

Fazes de conta que está tudo bem
E andas às voltas quando estás a sós

Gritos mudos que só tu entendes

No profundo silêncio que é a tua voz

Não precisas de te esconder
Ninguém vai encontrar

O que está escrito na tua pele

Só tu para o decifrar

(Pele, Pólo Norte)


Hoje é sexta, dia 13. E dai?
Nem gosto muito dos Pólo Norte (banda portuguesa de pop), mas há dias em que ouço esta música e parece que ela me assenta como uma segunda pele. As coisas que nós vamos buscar quando queremos fazer do universo o nosso cúmplice… Por falar em pele, em estórias de vida escritas, tatuadas na pele como se fôssemos um livro, lembrei-me de um filme de Peter Greenaway ― ah, como a vida era bem mais fácil quando eu me baldava às aulas para ir às matinés do King (cinema de Lisboa) ―, The Pillow Book (que vem no seguimento d’O Livro de Próspero), em que as várias personagens escrevem nas peles uns dos outros num estranho jogo de sedução. Mas isto de deixar que os outros deixem a sua marca na nossa pele (vida) tem muito que se lhe diga. Enfim, avancemos.

Em relação ao post anterior, não me arrependo. Apeteceu-me escrevê-lo e vai ficar ali como prova de um momento em que, de facto, vi as coisas daquele prisma. Mas quando o releio sinto um certo pudor. Fui longe demais. Exagerei. Seja como for, decidi dar um tempo para esfriar a cabeça. Abandonei o jogo. Acho que, entretanto, ele não se deu conta, mas se me procurou não me encontrou mais no lugar do costume. É melhor assim. Pelo menos, por agora.

Às vezes, mas só às vezes, acho que sou um gajo insuportável, difícil mesmo de aturar. Aliás, nessas alturas em que me acho um gajo insuportável, não sei mesmo como é que me aturo. Quando mais os outros.

Tenho vergonha dos meus ataques de mau génio. Quando atropelo as palavras e as arremesso como se fossem dardos. Quando fico cego pela fúria e ajo como um miúdo (garoto) mimado. Que faz birras e amua. Tenho vergonha, mas não tenho emenda. Se calhar, além de insuportável, sou também um caso perdido.

Mas isto é só às vezes. Na maior parte do tempo, acho-me um gajo porreiro (legal), complicado, mas porreiro. A minha auto-estima está bem, obrigado, e recomenda-se.

Depois de várias semanas de trabalho contínuo, este final de semana e os próximos dias afiguram-se como mais calmos. Vou pôr a leitura em dia (ando com um livro de Ian McEwan encalhado há quase um mês), vou intensificar as minhas idas ao ginásio ― não, não mudei de ideias em relação aos abdominais (ler aqui), mas um pouco de exercício e disciplina nunca fez mal a ninguém! ―, vou fazer um novo corte de cabelo (nós, homens, estamos muito mais limitados do que as mulheres neste capítulo, mas eu, mesmo sem usar o cabelo comprido, faço questão de mudar de tempos a tempos para não me enjoar da minha cara) e preparar-me para uma curta viagem que está quase ai. Essa viagem vai colocar-me frente a frente com uma mulher muito importante para mim de que já falei aqui. Não sei o que vai acontecer, mas dada a fase em que estou (de quase total ausência de tesão pelas mulheres), duvido que aconteça seja o que for. Felizmente não vamos estar sozinhos. Talvez seja melhor assim e ela perceba, de uma vez por todas, que não temos futuro juntos. Gosto demasiado dela para a enganar e a manter em banho-maria, tipo escape de emergência caso a minha estória enquanto gay dê para o torto. Sou egoísta, mas não ao ponto de fazer isso a uma pessoa a quem quero tanto bem.

Tenham um bom fim-de-semana! Portem-se bem, portem-se mal, mas divirtam-se sempre!

11.4.07

No fio da navalha

Got a package full of Wishes
A Time machine, a Magic Wand
A Globe made out of Gold
(…)
What kind of world do you want?
Think Anything
Let's start at the start
Build a masterpiece
Be careful what you wish for
History starts now...

(World, Five for Fighting)


Atrevi-me a pensar em voz alta e a vida resolveu atender-me. Só que, às vezes, temos de ter muito cuidado com aquilo que desejamos. Ou muito me engano ou estou prestes a levar uma rasteira daquelas de deixar mossa. Bem feita! Também não há-de ser um tombo que me vai deixar prostrado por terra a choramingar. Posso até não cair de pé, mas vou-me levantar e seguir o meu caminho.

Sempre tive a mania que sou duro no amor, que não entrego os pontos com facilidade, por isso fiquei sem chão assim que me dei conta de como estava envolvido... Tentei relativizar, atribuir as culpas do súbito arroubo pueril ao factor novidade ― e eu sempre vibro com uma boa novidade ―, mas cedo percebi que estava a criar expectativas demasiado altas. Tentei recuar, desacelerar. Em vão. A emoção não obedeceu à razão e acabei mesmo por me animar mais do que devia ― tive consciência imediata disso, mas de nada adiantou ― com a perspectiva de ter encontrado, finalmente, um parceiro à altura de um jogo que insisto em jogar: o da provocação mútua, do toca-e-foge, do manter sempre a fogueira acesa com mais achas… enfim, já falei aqui deste jogo, não vale a pena estar-me a repetir.

Foi ele que se anunciou à chegada e que me desafiou para a partida, mas, de certa maneira, fui eu quem mexeu os cordelinhos para que ele desse com o caminho. Desde o início, ele jogou uma cartada de mestre (tiro-lhe o chapéu por isso e reduzo-me à insignificância de mero aprendiz de feiticeiro): deixou-me ficar com a ilusão de que, por estar a jogar à defensiva (como, aliás, é meu hábito), era eu a controlar o andamento do jogo. Nada mais falso. Eu é que fiquei viciado desde a primeira hora, eu é que acabei por revelar mais do que queria e eu é que, a partir dai, fiquei sentado à espera que ele se digne a aparecer para continuarmos o jogo.

Ainda não percebi qual é a dele. Juro que não. Não me parece que seja um tipo (cara) dissimulado, estou até convencido que é um gajo porreiro (legal), genuíno e correcto. Estou é na dúvida se as suas aparições às pinguinhas são estudadas para se fazer desejado ou se, pura e simplesmente, ele não está nem ai e as nossas conversas são apenas uma forma divertida de passar umas horas quando a sua vida preenchida assim o permite (não sei quase nada da sua vida, tal como ele não sabe quase nada da minha).

Quer ser apenas meu amigo, quer ser mais do que isso ou nem uma coisa nem outra? Às vezes tenho a impressão de que eu é que sou marinheiro de primeira viagem, mas ele é que se está a fazer de difícil. Na verdade, não tenho o direito de pensar assim, pois se ele não diz claramente ao que veio, também eu não digo claramente o que quero. Estamos quites, portanto.

Seja como for, estou a ficar frustrado com o rumo que o jogo está a tomar. Comecei por ficar ansioso, mas agora estou a ficar irritado, pois acho que a situação fugiu completamente ao meu controlo e Deus sabe como eu detesto perder o controlo. O meu orgulho ferido de macho ordena-me para saltar fora enquanto é tempo, pois não faz (ou não fazia) parte dos meus planos ficar pendurado à espera que um marmanjo se digne a aparecer quando ele muito bem entende ― mesmo que continue a desconfiar que ele não faz isso por mal. Por outro lado, sei-o bem, tem sido este maldito orgulho que me tramou noutras alturas da vida e que já me levou a desperdiçar muitas oportunidades. Estamos os dois a jogar no fio da navalha. Quem é que se vai cortar primeiro?

Tenho quase a certeza que vou ser eu, mas, se calhar, fui eu que me precipitei e confundi as regras do jogo. Um dia ainda vou aprender que estes jogos não me levam a lugar nenhum. Mas não é fácil largar vícios antigos…

Cansei-me de charadas e de enigmas. Não quero mais vestir a pele do homem-misterioso. Basta de palavras ditas pela metade. De intenções veladas. Estou farto de bater a portas incertas onde tenho de entrar de olhos vendados, às cegas. Para variar, agora quero encontrar uma porta aberta, onde possa entrar de olhos bem abertos, sabendo de antemão o quê e quem vou encontrar do outro lado. Não quero mais brincar a isto.

No pain, no gain.

9.4.07

Rosa-choque

Gerard Butler (Leónidas) e Rodrigo Santoro (Xerxes) em 300


Escolhi duas imagens, que são do filme 300, para servir um propósito: o de que um olhar não isento pode sempre distorcer o que vê ou, no mínimo, subverter o contexto e a mensagem a seu bel-prazer. Fui ao cinema sem grandes expectativas ― fiquei curioso com o que li sobre a banda-desenhada de Frank Miller, a qual foi adaptada ao filme, e sobre o facto de representar um passo (muito) à frente na digitalização e na computorização ao serviço da sétima arte (nem precisamos de óculos especiais para que as personagens saltem do ecrã como se fossem a três dimensões). Descansem. Não me vou aventurar no campo pantanoso da crítica, que há quem o faça com mais propriedade do que eu, mas não dei por mal empregue o tempo que gastei. Não será um grande filme, longe disso, mas vê-se bem.

Voltemos às imagens aqui postadas. Tenho ouvido por ai dizer que este filme possui, inequivocamente, um olhar gay. Quem já me leu antes, sabe que sou um pouco ― um pouco não, muito ― avesso a esse tipo de generalizações, pela simples razão de que não é por estar a deixar aflorar a minha (bi/homo)sexualidade que vou passar a enxergar com olhos de gay tudo o que me rodeia. Quem viu o filme, e olha para estas fotografias, que não são manipuladas (uma delas é, mas só por razões técnicas), pode, todavia, fazer esta leitura legítima: o duelo entre o viril Leónidas, rei dos Espartanos (interpretado pelo escocês Gerard Butler) e o ambíguo Xerxes (interpretado pelo brasileiro Rodrigo Santoro) ― sexualmente falando, pois mesmo com três metros de altura e um corpo trabalhado, há na sua imagem algo de deliberadamente feminino ― não é só bélico, há também ali uma tensão sexual (ilustrada na perfeição na cena acima).

No fundo, tenho para mim que Xerxes, mais do que derrotar Leónidas, queria seduzi-lo e trazê-lo para o seu lado, invertendo o papel tradicional em que o mais feminino se subjuga ao mais masculino. Ao mesmo tempo que inveja Leónidas, Xerxes deseja-o e só admite aniquilá-lo quando o outro não aceita submeter-se à sua vontade (desejo). Isto não está claro no filme, mas pode ser interpretado desta forma por quem assim o quiser entender.




Do mesmo modo, os que detectam no filme um forte conteúdo homoerótico, vão dizer que a grande maioria dos actores masculinos (pouquíssimas mulheres na trama, mas a rainha é belíssima), ou pelo menos aqueles em quem a câmara mais se demora, não foi escolhida à toa, mas sim a dedo para não fazer feio ― o que até faz sentido se tivermos em conta que os mesmos passam o filme inteiro semi-nus. Depois há também aquela coisa da camaradagem entre militares, que os gays gostam sempre (e muitas vezes com uma certa razão, admito) de perverter ― muito suspeitas certas praxes militares, muito duvidosas mesmo, mas passemos adiante que não estou aqui para falar disso…

Não sei se, por esta altura, já terei ou não desenvolvido uma sensibilidade gay ― bom, isto admitindo que existe, de facto, uma… ―, mas notei como curioso o facto de, mesmo tendo identificado a carga homoerótica do filme, não ter ficado em momento algum excitado com este ou aquele actor. Pode até ser que seja uma ideia pré-concebida minha, ou seja partir do princípio que os gays sempre ficam alterados quando vêem homens desejáveis. Se calhar, as coisas nem funcionam assim. Uma coisa sei, o meu não desejo não tem nada a ver com ainda estar amarrado àquela máxima bacoca de que um homem “de verdade” não sabe apreciar outro homem. Mesmo quando sempre me assumi como hetero nunca tive problemas em dizer se acho um homem bonito ou feio ― e nessa lógica, é claro que não fico indiferente, por exemplo, ao actor Gerard Butler, que acho, na boa, um homem bonito ―, mas, constatei é que o meu olhar ainda é mais de inveja do que de desejo.

Quero dizer: olho para alguns daqueles homens e não é desejo de possui-los (ou de ser possuído por eles, se quiserem) o que sinto, mas sim uma certa inveja dos seus corpos, da sua beleza. Uma inveja relativa, entenda-se; primeiro porque gosto de corpos definidos e enxutos mas não tipo armário como é o caso da maioria no filme (com músculos muito pronunciados), segundo porque mesmo estando muito longe de ser um Deus grego, também não sou nenhum estafermo (lol).

E já que os rapazes dão o corpo ao manifesto, não pude deixar de reparar noutra coisa: a ausência de pêlos (excepção feita às barbas e fartas cabeleiras). Quem conhece um pouco da história das várias civilizações, saberá por certo que a moda de eliminar os pêlos corporais não é uma coisa de agora. Inclusive nos homens. Imagino que os metrossexuais de plantão, conhecidos por serem partidários da depilação total ou parcial da pilosidade corporal, também se revejam neste filme. A estética dominante no filme é a de que os pêlos não fazem ali falta nenhuma.

Confesso que não tenho uma opinião formada sobre a depilação. Pelo menos não em relação à minha pessoa. Dou graças à genética por não ter saído um Tony Ramos, o que de facto não me agradaria de todo, pelo que me sinto feliz de não ter praticamente pêlos nas costas, no pescoço ou até mesmo nas nádegas (enfim, talvez vocês não precisem de saber tanto… exagerei na informação! Menos). Tenho pêlos nas pernas, nas axilas, nos braços, mas não me incomodam. A minha barba é cerrada e viveria bem sem ela, mas como me posso dar ao luxo de não me barbear todos os dias ― para desespero da minha mãe, que acha sempre, quando me vê com uma barba de três ou mais dias, que pareço, passo a citar, “um salteador de estradas”! ― não é por ai.

A minha dúvida é em relação aos pêlos do peito e aos púbicos. Passo a explicar. Gosto de ver pêlos no peito a quem os tem uniformes, o meu problema é que os meus, além de não serem em grande quantidade, também me parecem sempre irregulares e indomáveis. Já os raspei mais de uma vez, mas nunca me decidi a avançar para a depilação periódica. No fundo, fico balançado entre a falta de paciência necessária a uma manutenção desse género e o facto de achar que não tenho um torso suficientemente definido (acho, outro preconceito meu, que um peito liso pede um torso definido).

Há uns tempos, li um artigo na revista Wallpaper* (querem revista mais metrossexual?) sobre uma técnica que está a fazer furor nos salões de beleza masculinos, uma tal de manscaping, e que consiste em eliminar selectivamente os pêlos masculinos. Por outras palavras, os homens eliminam os pêlos que têm em excesso (ou por completo) em certas áreas e “domam” os que ficam, o que pode passar por os pentear com gel, dar-lhes uma coloração diferente ou, inclusive, criar manchas de pêlos com formas mais harmoniosas. Vejam o exemplo que vinha na revista:




No que toca aos pêlos púbicos, a coisa pia mais fino. Associo sempre a imagem de homens sem pêlos púbicos aos actores porno. No meu caso, está fora de questão. Gosto de ver pêlos acima do pau, mas os tomates (saco) a descoberto. É uma preferência pessoal. Já me aventurei nalgumas experiências, mas, uma vez mais, esbarrei na preguiça e, digamos, numa certa falta de técnica. E fico por aqui, que isto é um blogue em tom confessional, mas também não convém abusar.

Na mesma edição da Wallpaper, li ainda que as famosas irmãs brasileiras JSisters ― que colocaram as nova-iorquinas a depilarem-se como as brasileiras, no estilo minimal brazilian bikini wax ― perceberam que os homens também estavam abertos a dar uma arejada no andar de baixo e, vai daí, criaram a depilação brazilian sunga wax. Na gíria da moda, a mesma também ficou conhecida como BSC, ou seja Back (costas), Sac (escroto) e Crack (rego do rabo, a expressão é feia, mas não me ocorre outra agora, sorry).

Paneleirice (viadagem) ou não, a mim, chamem-me antiquado, o que me incomoda mesmo é visualizar a cena. Não sou um pudico, mas entregar assim de ânimo leve as partes mais recônditas do meu ser nas mãos de um(a) estranho(a), não me parece lá muito boa ideia. Além de que deve doer como o ca-ra-lho! Todos nós temos os nossos limites.

Desafio os meus amigos bloggers a manifestarem-se. Dêem a vossa opinião. Com pêlo, sem pêlo, o que preferem? E faz ou não diferença na hora da verdade?

Vou encerrar este post com a certeza de que me estiquei um pouco ― lá cai por terra a minha fama de intelectual (lol).
Sinto-me como aquela personagem da série
Will and Grace, um recém-gay com imagem de sapo que Will e Jack se encarregam de transformar em príncipe, e que, depois de muitos falhanços, leva ao delírio os seus mestres quando, finalmente, comete três princípios sacrossantos que nenhum gay que se preza menospreza: querer ter um corpo acima das suas reais possibilidades, gastar mais do que deve numa peça de roupa e suportar sacrifício físico em nome da beleza. Bom, neste post já invejei os corpos dos actores de 300; de certeza que já gastei (e não só uma vez…) mais do que devia em roupa; quanto a sacrifícios, lembro-me agora de umas botas Prada que, há uns anos, comprei em saldos ― uma delas apertava-me o pé, mas aguentei estoicamente mais de um mês até ela se moldar, tudo porque as achava o máximo!
E depois desta tirada, que me faz corar de vergonha, retiro-me de fininho…

4.4.07

Timing


If I lay here
If I just lay here
Would you lie with me and just forget the world?

(Chasing Cars, Snow Patrol)


Outro dia, num bate-papo divertido com o Trintinha no msn, ele pergunta-me a dada altura: “E você nada, né?” Rimos com a minha resposta óbvia. Triste sina a de um gajo com mais de trinta anos que, de repente, e apesar de já ter dado as suas cambalhotas na vida (algumas delas até de certa qualidade), se vê reduzido à nova condição de “virgem arrependida”. Calma, ainda não ando a matar cachorros a grito ― mas já faltou mais, admito, para agarrar um tipo pelos colarinhos e pespegar-lhe um valente beijo. O chamado tira-teimas.

Por sua vez, o Manel, que é cá da terra como diz o anúncio, também se saiu com esta: “Então, mas no msn ainda nunca ninguém te perguntou o que gostas, o que gostas de fazer, o que queres que te façam?” I BEG YOUR PARDON (quando fico à rasca, baixa o lorde inglês que há em mim)? O Manel, acrescento eu, é um tipo educado, um cavalheiro como eu, por isso, convém esclarecer, ele não tencionava perguntar-me nada do género (ou querias?). Estava apenas a exemplificar-me, tendo mais uma vez presente a minha condição de “noviça” do convento (estou bem fo-di-do!), que quem anda à chuva no msn, molha-se.

Pois é, o que querem, falo apenas com gente fina, por isso, até agora, só tive conversas edificantes ― centímetros só se forem os da torre Eiffel; posições só se forem as do Buda sentado, do Buda reclinado…. E por ai vai.

Já disse aqui, mas repito: não tenho pressa, nem é tempo ainda de accionar o taxímetro… Mas, pensando bem, está na hora, quem sabe, de ligar a luz verde no tejadilho onde se pode ler “livre” (okay, é um dejá vu, mas não podemos ser originais todos os dias. Rs*). Por um lado, não quero tornar-me a chacota do pessoal aqui na blogosfera ― não tarda estão a fazer apostas… ― por outro, a vida pode ser uma grande cabra quando quer ― então não é, justo agora, que decidi dar um tempo com as mulheres, me aparece uma muito gira (gata), inteligente, espirituosa e cheia de intenções (boas e más) para o meu lado? É ou não uma tremenda canalhice? Mau timing, péssimo timing… Vou continuar a fingir que não percebo (sou óptimo nisso, por sinal).

Vai daí, lembrei-me que preciso passar a mensagem. Não uma mensagem qualquer, pelo menos não uma com as minhas medidas e pretensas habilidades, mas algo que me identifique, que tenha a ver comigo, que de publicidade enganosa já todos andamos fartos.


A quem interessar:
Não acredito em almas gémeas. A ideia de que existe algures, neste vasto universo, um ser que me completa parece-me, a ser verdade, mais do que um absurdo, uma brincadeira de mau gosto. Quase uma crueldade. Não teria o universo mais do que fazer do que entreter-se a lixar-nos a vida, colocando-nos perante um problema matemático de resolução praticamente impossível, tal o número de variáveis envolvidas nessa equação do par perfeito.
Também não acredito em amor à primeira vista. Aliás, para ser bem franco, há muita coisa em que não acredito ou de que, no mínimo, duvido. Suponho que seja um homem de pouca fé. Mas que ainda assim não desistiu do amor. Não é de amor, todavia, que ando à procura. Não agora, pelo menos. Também não é (só) sexo, mas passa seguramente por ai.
Neste momento, só quero alguém (homem, de preferência, mas, mulheres não se vão já embora...) que seja capaz de me aceitar sem ter de fantasiar. Alguém (homem, de preferência, mas, mulheres não desistam já de mim...) que me consiga aceitar como sou, com defeitos, hábitos, manias, mas também com algumas qualidades. Em suma, alguém (homem, de preferência, mas, mulheres, ainda não vos estou a fechar a porta...) que não precise fazer de conta. Um homem que não se melindre com os meus avanços e recuos, com os meus silêncios; nem que se sinta ameaçado sempre que me for embora e/ou tiver de recolher, por breve que seja, a um mundo que é só meu porque preciso, simplesmente, de estar sozinho. Um homem que não queira mais de mim do que lhe posso dar. Um homem que queira estar comigo porque vê em mim um parceiro e não uma puta. Um homem que me deseje apenas pelo que sou hoje, agora. E não pelo que fui ontem ou serei amanhã.


P.S. (Espero que encarem isto como um exercício de humor da minha parte. Tudo o que escrevi antes é verdade, mas não quero que me tomem demasiado à letra. É uma outra forma de lidar com as minhas dúvidas. Gosto que me levem a sério, mas não deixem, por favor, de rir comigo. Aliás, sou sempre o primeiro a rir de mim, das minhas limitações, que são muitas).