21.3.07

O clique


Who do you think your' fooling?

Quem tu pensas que estás a enganar?

(Lovelight, Robbie Williams)


Em que momento se deu o clique? A formulação da pergunta é minha, mas julgo que é, mais ou menos, isto que me têm querido perguntar nos últimos dias ― e alguns já o fizeram, pois o msn também serve esse fim, o de colocar questões incómodas que dificilmente seriam feitas caso estivesse cara a cara com os meus interlocutores.

Aceito que o meu “despertar” tardio suscite algum espanto, afinal, porquê só agora deixar vir à tona algo que se encontrava submerso nas minhas profundezas. Se repararam bem no que escrevi no cabeçalho deste blogue, hão-de ter percebido que nada disto aconteceu da noite para o dia. Por outro lado, não vos estarei a mentir se vos disser que sei exactamente o quê, quem e quando tudo se precipitou para se dar o clique.

Mas vamos por partes. Começo pelo porquê não antes. Em criança sempre senti curiosidade ― repito: curiosidade, nada então a ver com atracção ou desejo ― em relação aos outros rapazes, mas não passava disso mesmo, de um termo de comparação entre o meu corpo e o corpo deles. Sem paixonetas, sem necessidade de tocar, sem procurar estar perto. Paixões, platónicas ou não, só as tive, em toda a puberdade e adolescência, por raparigas (brasileiros não se ofendam, para nós, portugueses, raparigas são sinónimo de garotas).

A vida seguiu o seu curso normal. Entro na universidade (faculdade) aos 18 anos e o padrão de comportamento repete-se, mas algo muda: pela primeira vez, começo a ter fantasias sexuais concretas com homens. Continuo sem me apaixonar e sem querer qualquer tipo de contacto íntimo com outro homem, mas, nos meus momentos de prazer solitário, é cada vez mais neles (em abstracto e nunca focado num colega ou amigo) e cada vez menos nelas que penso para me excitar.

Vou-me tornando cada vez mais adulto, a atracção pelas mulheres mantém-se. É com elas, e só com elas, que me envolvo. Com o passar dos anos, dou-me conta de que as minhas relações são quase sempre passageiras, sem nunca criar grandes amarras emocionais, baseadas no flirt e na maior ou menor afinidade. Já perto dos trinta, percebo que dificilmente vou casar, morar junto. Não dou grande importância ao facto, afinal, sempre gostei de ser independente, tenho um trabalho que me leva a andar de um lado para o outro, se assim o desejar, e parti do princípio que nem todos têm de seguir o modelo-padrão do "casar e ter filhos".

E onde esteve escondido este tempo todo, perguntar-me-ão, o meu desejo sexual paralelo por homens? Ao que eu respondo: no lugar de sempre. Enfiado no subconsciente, aflorando apenas em momentos de gozo solitário. A verdade é esta, eu nunca me senti na obrigação de correr atrás porque esse desejo não me pedia mais do que isso: uma satisfação momentânea, a sós, sem necessidade de um rosto familiar ou não por perto. Saciado, ele, o desejo, recolhia ao seu esconderijo e deixava-me em paz.

Poderia ter sido assim até ao resto da minha vida. Eu já estava convencido que nunca passaria disso mesmo, de uma fantasia sem necessidade de consumação. Até porque, lá está, eu gosto imenso de sexo, acho que é fundamental nas nossas vidas, mas também nunca estruturei a minha existência em função dele. É uma entre outras coisas que me dão prazer.

Chegamos assim ao porquê agora. Duas coisas aconteceram no último ano, provocando um valente safanão nos alicerces que tinha construído e deitando por terra o que tinha como adquirido:

  • Aquela que será, provavelmente, uma das mulheres da minha vida (nunca acreditei em almas gémeas), em matéria de afinidade e de cumplicidade, divorciou-se e está livre. Quando nos conhecemos, há vários anos, acabámos por não nos envolver, pois na altura, apesar de já existir um “clima” entre nós, ela namorava e estava prestes a casar. Como não me apetecia nada disso, optei por não a levar a trocar o certo pelo incerto. Nunca perdemos o contacto. Nunca perdemos a afinidade. Sei que ela só está à espera de um sinal meu para avançarmos.
  • Conheço, pela primeira vez na minha vida, um homem que me balança. Pela primeira vez também, admito a possibilidade de ir para a cama com alguém que não seja uma mulher. Acabou por não acontecer nada, mas está dado o clique. Está lançada a dúvida.

Deixarei para um próximo post o meu encontro imediato com esse homem, que curiosamente já quase nada significa para mim, mas que vou ter de recordar para sempre como aquele que provocou o abalo das minhas convicções e me lançou nesta dúvida cruel. Ah, malandro! Lol

13 comentários:

Gus disse...

Oz,

A sua história é parecida com a minha, mas com uma enorme diferença: eu casei com 23 anos. Depois de três filhos homens, perto dos 30 anos, ao ver um soldado - eu era militar - no chuveiro do quartel, excitado, deu-se o clique. Levei mais seis anos até a primeira relação. Aí, não me segurei mais... Não sou feliz porque não tive coragem de largar a família. Assim é a vida...

Abraço

Moura ao Luar disse...

É importante assumirmos os nossos sentimentos para podermos ser felizes, mesmo quando eles estão escondidos bem lá no fundo é preciso ir buscá-los

BlueBob disse...

Oz, acho que a história de todos nós com desejos subterrâneos, tem sempre algo em comum: durante um tempo aprisionamos nosso monstro e tentamos de todas as formas contê-lo. Mas cedo ou tarde, algo acontece que o fortalece e nos faz encarar o dilema - assumi-lo e satisfazer desejos contidos ou continuar se anulando e sofrer por isso. É uma decisão que cabe a cada um tomar, levando em conta o que causa menos sofrimento, já que qualquer decisão leva ao sofrimento em maior ou menor grau. É decidir qual sapato aperta menos!

Bjs

Oz disse...

Gus e Moura ao Luar:
Bem-vindos!

Maurice disse...

Sou daqueles que nunca sentiram um clique, mas um interminável curto-circuito desde a mais tenra idade...:)
Mas percebo perfeitamente o que dizes. O processo difere de pessoa para pessoa, em ritmo e formas, mas é igual no essencial.
Uma coisa é inquestionável: o equilíbrio pessoal exige a auto-honestidade. Deixa-te fluír... e alegra-te na autenticidade.
Abraço

Anónimo disse...

Olá Oz,
Que interessante a sua história (o correto seria dizer "estória", mas no Brasil a gente tem mania de dizer "história" tanto quando queremos dizer estória ou história).

Falando sobre a língua, essa é uma coisa que eu queria comentar. Tenho gostado muito da forma como você escreve, e do seu português, que é diferente do brasileiro. É muito bonito.

Seu despertar até que não é tardio, pois aos 18 anos você já estava consciente da sua atração por homens. Foi aparentemente uma coisa da qual você estava consciente mas que escolheu ignorar por um tempo. No meu caso, eu sempre admirei homens, desde a adolescência, mas eu acho que inconscientemente bloqueei isso, eu me iludi. Acreditei que eu admirava outros homens por ter uma mente aberta. Eu consegui me iludir e me enganar por bastante tempo. Eu me achava heterosexual. Nunca me masturbei pensando em homens, mas às vezes tinha sonhos eróticos com homens. Isso às vezes me preocupava, mas eu tinha lido em algum lugar que isso é comum e muitas pessoas têm esse tipo de sonhos, então achei normal um hetero ter sonhos assim. Sempre namorei mulheres, nunca passei muito tempo sozinho, nunca senti falta de sexo, então por isso foi fácil me iludir. Hoje, quando lembro certas coisas do passado, às vezes não consigo acreditar em como fui iludido, como consegui ignorar tanta coisa e me enganar. Mas a gente ignora certas verdades, quando conveniente, para evitar sofrer ou lidar com coisas difíceis.

Mas temos que encarar a verdade, mais cedo ou mais tarde.

Você tem sorte de estar conseguindo aceitar a verdade e explorar a sua sexualidade. Aproveite o momento! Carpe diem! ;-)

ps: deixei um comentário no seu post anterior, e também respondi ao seu comentário lá no meu blog.

Um abraço.

Oz disse...

Luciano:
Já fui ao teu blogue.
Acho que, sem querer, acabei por revelar um preconceito da minha parte e já me desculpei (ainda falarei disso aqui, um dia). Acabaste por me dar uma preciosa lição. Mais uma. Abraço.

P.S. O português de Portugal é, de facto, diferente do brasileiro, mas a riqueza de uma língua faz-se das somas. Já incorporei muitos termos brasileiros.

Anónimo disse...

Curioso...chego ao fim dos seus éditos com vontade ler mais...Será, certamente, a curiosidade que faz disparar essa vontade. Espero que não me leve a mal por isso.

Sobre o édito de hoje, mentiria se não dissesse que à medida que ia lendo fui 'assaltada' por algumas questões e vontade(s) de comentar alguns parágrafos. Não só pelo que relata mas também baseada na minha singela(?) experiência pessoal. Talvez oportunamente atreva-me a partilhar.

Sem dúvida, continuarei a ser visita assídua!

Saudações.
S.

Râzi disse...

Rapaz... sabe, sempre tive a coisa da atração por homens, mesmo não sendo de forma alguma efeminado. O Clique aconteceu já com uns 12 pra 13 anos, que foi a idade em que me reconheci como gay, entretando, fazendo uma retrospectiva de antes, desde que me conheço por gente, eu sou gay. Tive TODAS as apaixonites de infância e adolescência que vc pode imaginar! Fiz meu primeiro troca-troca com uns 6 anos!

Fui casado por 6 anos, tendo namorado por 3 anos antes e tenho um filho. Foram nove anos sem qq contato com homens. Isso foi motivado por uma desilusão total com os homens e uma afinidade tremenda com a minha ex, que ainda hoje é minha melhor amiga.

Vivo há quase três anos com o Lê, meu namorado.

Estórias tão diferentes, as nossas, não???

Na realidade, nunca fui atraído por nenhuma mulher e acabei por me casar! Vc sempre se atraiu por mulheres e está solteiro! :D

Beijão, querido!

Oz disse...

Ricardo:
Bem-vindo!
É, a vida tem lá as suas ironias!

FOXX disse...

amigo
comigo a coisa ocorreu bem diferente
bem diferente mesmo


=]

disse...

Mais um texto/estória muito bem escritoe que nos dá vontade de ler mais, e mais, e mais...

Quanto ao tema, é de difícil conclusão uma vez que na natureza do "homem" a bissexualidade, o desejo pelo sexo oposto ou pelo mesmo sexo, ou ainda por ambos, se pode manifestar mais cedo ou mais tarde, ou não...

No caso, num momento em que por um conjunto de circunstâncias, o clique aconteceu...

Tanta filosofia...

Abraços, boa escrita, e um óptimo fim de semana!

Superfunky disse...

Parabens pelo teu blog 1.º de td, e sinceramente acho que estas no bela encruzilhada lololol, sinceramente deixa as coisas rolar, vai atras de ambas e ve para onde mais puxa o teu verdadeiro "eu", só assim é que podes descobrir e nunca pensar que poderia ter sido algo diferente...