23.3.07

Preconceito


I searched for acceptance,

Procurei ser aceite,

Only to find prejudice.

Mas só encontrei preconceito.

(Man’s Rule, Talmadge Rogalla)


Desenganem-se. Não vou falar do preconceito dos outros em relação aos gays, lésbicas, bissexuais e todos aqueles que escapam à arrumação na dita “padronização” sexual. Vou falar antes do ENORME preconceito que tenho notado existir dentro da comunidade gay a avaliar pelas coisas que tenho lido na blogosfera.

Por estar mais fora do que dentro, consigo ainda manter, julgo, uma certa distância, o que me permite captar coisas que, se calhar, quem vive essas situações no seu quotidiano já aprendeu a aceitar como “normais”. Admito que me estou a aventurar num tema polémico, quase movediço, e que corro o risco de ser mal interpretado por muitos, mas é o que eu acho até alguém me provar o contrário ― não gosto de dar o braço a torcer, mas dou quando percebo não ter razão, não se preocupem.

Para início de conversa, faço logo a minha expiação. Sim, tenho preconceitos a este respeito. Um exemplo? Não me vejo a dançar com um homem. Outro? Dois homens debaixo do mesmo tecto, acho difícil (não é impossível, eu sei). Posso ainda acrescentar, mesmo correndo o risco de ser politicamente incorrecto, que sinto desconforto em relação aos travestis e bichas muito espaventosas (nada a ver, não fazer confusões, com negar-lhes o direito ao respeito e à dignidade humana, que isso não nego a ninguém); que me afligem os gays que se tratam entre si no feminino; que não me identifico com os gays que se tornam autênticos predadores sexuais, todas as noites à procura de uma presa diferente e quase sem critério que não seja o de iludir a sensação de vazio; que me causam estranheza aqueles que parecem ter por único objectivo na vida “malhar” muito no ginásio (academia) para não fazer feio na próxima parada ou na hora de tirar a camisa numa boate.

Poderia ainda apontar mais um ou dois, que agora não me ocorrem, mas já deu para entender que eu não me coloco acima de suspeita em matéria de preconceito ou de ideias pré-concebidas. Tenho os meus telhados de vidro, sim. Quem quiser, atire a primeira pedra.

Gostaria de dar exemplos de coisas concretas que li na Net, e que me têm surpreendido pela negativa, sobre a eterna questão activo versus passivo, mas não seria correcto eu citar aqui nomes (ainda que virtuais) nem apropriar-me de textos sem ter antes falado com os visados. Vou por isso falar em termos gerais.

Para mim, a questão do activo/passivo ainda é (muito) complicada ― à partida, é-me avessa a ideia de penetração por outro homem, o que tem a ver, admito-o frontalmente, com uma postura machista que nos é incutida desde crianças ―, mas uma coisa já sei de antemão: da mesma forma que nunca procurei ser superior ou dominador com uma mulher, que nunca vi nem vejo como um ser submisso ou passivo no sexo, também tenho para mim que, no dia em que me decidir a estar com outro homem, vai ser na base da igualdade; ou seja, só vou querer estar com alguém que se sinta bem na sua pele de homem e que me aceite e veja da mesma forma. Sem essa de um a fazer de “mulherzinha” ou de “putinha”, como já li por ai, tantas vezes, vários “activos” ― e não falo apenas dos bissexuais, que esses até se entende o porquê da cisma, falo sobretudo dos que se relacionam só com homens ― descreverem as suas quecas (transas) com passivos. Acho esse tipo de associações não só ofensivo para as mulheres, reduzidas à mera função de proporcionar prazer ao macho, como para os próprios parceiros.

Então, como é: uns são maricas (bichas) e os outros não? Nessa lógica, devo partir do princípio que quem come e não deixa que toquem no seu rabo (bunda) nunca deixa de ser macho, já o outro, o que aceita ser comido, passa a ser a gueixa, o submisso e fica desprovido de masculinidade, é isso?

Tenham santa paciência, mas, para mim, isso é um tremendo de um machismo. Quero deixar claro: o que me choca não é que haja gays que só queiram ser activos e outros só passivos. Nada disso. Estou consciente, agora ainda mais, que, entre quatro paredes, desde que seja consensual, tudo é válido ― aliás, a este respeito, o Luciano, que é um miúdo (garoto) muito lúcido, já me deu uma lição que procurarei não esquecer ―, mas não aceito esse tipo de discriminação de ânimo leve.

Se calhar, não digo que não, estou a fazer juízos de valor errados ou precipitados, mas também já vi outros indignarem-se pelos mesmos motivos, pelo que não devo ser o único a achar isto ― já li igualmente que muitos passivos gostam da sensação de serem dominados e até se sentem excitados quando os seus parceiros, no calor do momento, lhes chamam nomes. Tudo bem, não me revejo nesse quadro, mas aceito perfeitamente, lá está, porque é algo consensual e não quer dizer que não haja carinho, ou no mínimo respeito pelo outro, envolvido.

Agora duvido, mas duvido mesmo, que alguém, neste caso um gay que não deixou de se sentir homem por ser passivo ou por ter sido passivo num determinado momento, goste e aceite que o seu parceiro, mais ou menos casual, quando confrontado com a pergunta, hipotética ou não, da inversão de papéis reaja com violência, quase asco: “Ser enrabado, eu? Nunca. Sou macho”.

Estou a fazer uma interpretação deturpada? É possível. É possível que ainda esteja a ver o mundo gay e os seus códigos de conduta por um olhar heterossexual, mas, o que querem, causa-me espanto. Quer dizer, nem tanto, pois, ao fim e ao cabo, a grande maioria dos homens, gays ou não, é educada com valores machistas, logo, é natural que continuem a ser machistas mesmo quando, ou sobretudo por isso, se relacionam só ou também com outros homens.

O que me leva a concluir que a necessidade de rotular e o preconceito não são exclusivos dos que vivem dentro do que é, tradicionalmente, aceite como “normal”. Eles também existem entre os que vivem à margem do sistema e podem ser tão, ou mais (em alguns casos), cruéis.

Que venham as pedras!

10 comentários:

Gus disse...

Oz,

Preconceituosos todos somos. Geralmente as pessoas projetam o seu preconceito nos outros e, por isto, penso que as minorias que se dizem alvo de preconceitos são os mais preconceituosos.

As pessoas, de um modo geral, vivem em grupos com os quais se identificam. Buscam a segurança que o grupo dá. Não são in-divíduos, mas partes. Poucos procuram viver a sua individualidade, ser si mesmo, sem necessitar da aprovação dos demais.

Ser "gay" é ter idéias, comportamentos e valores que identificam esse grupo. Dizem alguns, que é o terceiro sexo. Não os julgo nem critico, mas sou um homem, com comportamento masculino que gosta de outros homens. Sou um macho que gosta de machos.

Nós somos os mais criticados, tanto por héteros, bi e homossexuais porque não aderimos a um grupo. O homem comum sente a necessidade de dar um rótulo e ser um rótulo, mas a liberdade de ser si-mesmo não tem preço.

Parabéns Oz, por levantares um assunto tão polêmico.

Forte abraço!

Anónimo disse...

eu escrevi um texto essa semana mesmo, falando sobre isso tbm, discriminação entre os próprios gays.
só pra reforçar oque vc disse, não podemos esquecer que o homem que "come" o outro homem não é gay, pelo contrário, ele é mais macho ainda, por isso admiro os passivos, eles sim têm que ser muito macho pra admitir do que gostam, e me admiro muito mais quando o mesmo impõe respeito diante de tudo isso que conhecemos.

coisas que só com o tempo aprendemos, o importante é vermos o ser humano como tal, e oque é uma relção sem respeito?


dei muita risada quando vc flaou da parte da "caça" rsrsrs, lembrei-me do filme predador...

disse...

Julgo que não se trata de preconceito, e muito menos de uma questão exclusiva dos gays, o que acontece é cada um teve a sua educação e como tal temos maneiras de ver e lidar com as coisas de maneiras bem diferentes... e é apenas isso. Só o tempo nos ajuda a ultrapassar essas diferenças, mas não todas...

Abraços

Anónimo disse...

Humm... O que dizer... Se o meu namorado me dissesse que não quer dar o rabo nessas palavras (“Ser enrabado, eu? Nunca. Sou macho”), eu me sentiria ofendido. E se ele me tratasse como "putinha" dele, eu também ficaria ofendido. Mas não é o caso. Ele não me considera menos macho do que ele. E ele não tem preconceito contra o papel passivo. Nas primeiras relações sexuais dele, quando ele era muito novo (adolescente), ele transou tanto como ativo quanto como passivo, sem medos nem preconceitos bobos. Mas percebeu que sentia tesão por comer, e não por dar. É isso que eu acho que as pessoas devem fazer, devem experimentar os dois lados, e fazer aquilo que lhes proporciona prazer e que os faz feliz. Ninguém tem que ter nenhuma obrigação de dar o rabo para ninguém.
Uma outra coisa que eu queria dizer, e que muita gente (homens heteros e mulheres) não sabe, é que o gay passivo sente prazer em dar o rabo. Algumas pessoas acham que o ativo é que sente prazer, ao penetrar, foder, e que o passivo só está dando o rabo e servindo como um meio. Mas não é assim! Sexo anal é prazeiroso para ambos. Eu sinto prazer, e muito! Eu sinto muito mais prazer com um pau no cu e com meu pau sendo estimulado ao mesmo tempo, do que eu sentia fodendo alguém. É muito bom! Bom demais também é fio-terra - não sei se vocês têm esta expressão em Portugal. Se você não souber o que é, eu explico. O que eu queria dizer é que prazer anal é uma coisa real e muito prazeirosa sim. ;-)
Um abraço e um ótimo final de semana!

Unknown disse...

Amigoooooooooooo! Bem legal o qeu vc escreveu! SAbe, tem uma frase que é assim: Olhando de perto, ninguém e normal... Todo mundo tem seu lado feio, e, como não poderia deixar de ser, nósso meio tb... TEmos a necessidade sim de nos juntar oas mais iguais a nós, mas a prática de desprezar e humilhar os diferentes, é péssima... Mas, será qeu conseguiremos mudar o mundo?
BEijos!

TD disse...

Olhe sinceramente pensava que esse eterno dilema ja não existia..quase toda gente que conheço e versatil, podendo preferir alguma das posições mas não negando o prazer ao outro..

BlueBob disse...

Tema polêmico, meu amigo! Todos nós temos nossos preconceitos, pq como vc disse nos foram impostos esses conceitos. Eu mesmo os tenho, já tive alguns que superei e vou superar outros. O que nos faz supera-los é informação, conhecimento sobre o que até então era um pré-conceito imposto. Esse assunto de passivo/ativo é um exemplo de preconceito que eu tinha e que venci. Não se deixa de ser macho qdo vc está no lado passivo, é só uma nova forma de prazer até então desconhecida.
Agora isso de dançar com outro homem é um dos que tenho que vencer. Quem sabe um dia eu tente isso e mude meu conceito. É assim que funciona, conhecer e experimentar.

Abraço

Anónimo disse...

;)
risos...
Quando comecei a frequentar a cena gay de Lisboa, percebi de imediato que existiam várias tipologias de gay. Muito orgulhosamente me mantive na tipologia gay com aparencia de macho...isto porque razões profissionais me obrigavam a manter uma determinada performance de forma a não me comprometer. Certamente já terei sido apelidado de frustradA por recalcar algum tipo de comportamentos. O que acontece é que eu nunca tive necessidade de me expor nem de me vestir de forma mais exótica para chamar a atenção e a discreção sempre me acompanhou...e sou muito feliz assim.
Quanto à cama...o que acontece aconteceu...não tenho regras do tipo "ontem fui eu hoje és tu..."
LOL
um abraço

Moura ao Luar disse...

O importante, acima de tudo, é respeitar.

Anónimo disse...

Estando eu bem mais fora do que dentro (por razões óbvias), penso ter ainda uma maior distância e consequetemente outra oponião, embora não muito diferente da sua.
Pessoalmente não me faz confusão alguma - e citando exemplos seus - ver 2 homens a dançar ou a viver debaixo do mesmo tecto. O mesmo já não posso dizer em relação aos travestis, 'bichas' espaventosas e lésbicas assumindo-se como machos. Como diria a minha (sábia) avó: "tudo o que é em demasia, é moléstia".
Na intimidade, sou apologista, do vale TUDO, desde que seja de acordo com os intervenientes. Agora ultrapassando as 4 paredes e fazer disso 'notícia' (?)... Poupem-me, por favor!
Tomar partido de uma certa perfomace, não me parece, de todo, que faça disso alguém ser mais ou menos macho. Afinal, não estamos em momento de partilha? De dar e receber?...Desculpem os mais cépticos, mas só assim as coisas fazem sentido.
Para concluir...tenho para mim, que o dito preconceito na grande maioria das vezes parte dos "não normais". Sim, pq para mim a (a)normalidade somos nos que a fazemos!

Boa semana. Saudações!