26.3.07

A ressaca


Talvez por não saber falar de cor, Imaginei
Triste é o virar de costas, o último adeus
Sabe Deus o que quero dizer
(Fácil de entender, The Gift)


Já era de esperar, por isso nem posso dizer que estou surpreso. Passada a primeira semana, e a anestesia provocada pela adrenalina da novidade, bateu o vazio. Estou confuso, desorientado. Ninguém deita impunemente para fora coisas que andou a acumular uma vida inteira sem pagar um preço.

A purga está a fazer efeito. O meu corpo acusa a ressaca. Tomo consciência do meu acto e, a partir daqui, sinto-o, faça o que fizer, já nada será mais como dantes. Não é um caminho sem volta, mas há coisas ditas que não poderei mais desdizer e agora tenho de aprender a viver com as suas consequências.

Estou em terra de ninguém. Por mais estórias parecidas à minha que tenha encontrado. Por mais que as vivências e as opções dos outros façam sentido. Não sou eu. Não é a minha estória. O que foi, e ainda é, válido para os outros não é, necessariamente, válido para mim.

Quero e não quero a minha vida de antes. Faz (algum) sentido? Não estou preparado para abrir mão de nada do que já conquistei até agora, só quero acrescentar. Não quero subtrair. Será possível? Será mesmo possível?

Quando comecei seriamente a pensar no rumo a dar à minha sexualidade ― o que não faz tanto tempo assim (se leram os meus post anteriores, sabem-no) ―, a primeira coisa que me veio à cabeça, claro, foi focar-me na bissexualidade. É uma situação de conveniência. Uma solução de compromisso. À partida, parece o melhor de dois mundos, divertido até. Auto-proclamar-me livre para amar não só mulheres, não só homens. Amar, isso sim, pessoas, independentemente do género.

Acontece que, e eu já desconfiava disso, só não o quis admitir logo, tenho para mim que a bissexualidade não passe de um disfarce, de um embuste. E quanto mais leio o depoimento de tipos (caras) que se assumem como bissexuais, mais convencido fico.

Distingo dois tipos de bissexuais: os que por serem casados, terem uma família que amam e que não querem abandonar, se forçam a manter essa relação, se for preciso uma vida inteira, deixando para a clandestinidade ― que pode durar indefinidamente se, entretanto, não forem apanhados com as calças na mão ou não se cansarem de viver assim ― a sua verdadeira natureza, aquela que os realiza sexualmente; os segundos estão numa fase de transição, como a que me encontro. Gostam de mulheres, sentem carinho e afinidade por elas, mas quando leio e ouço a forma como descrevem as suas quecas (transas), fica quase sempre claríssimo que a sua maior tesão está no sexo com homens e não com mulheres. Se vão ter coragem de admiti-lo e dar o passo seguinte, isso já são outros quinhentos e cada um sabe de si. Eu só acho, cada vez mais, que a bissexualidade é, passada a fase de dúvida e de descoberta, uma opção imposta e não uma forma natural de estar. Infelizmente.

No fundo, eu gostaria muito de acreditar que ainda posso ser feliz com uma mulher. E não é só por uma questão de querer seguir a “normalidade” e de me sentir aceite. Mesmo sem me ter envolvido com um homem, eu já tenho quase a certeza, porque me conheço apesar do período nebuloso, que dificilmente vou conseguir estabelecer com um homem a mesma empatia que teria com uma mulher. É que eu admiro muito mais as mulheres, a sua força, a sua inteligência, a forma como se entregam. Os homens tendem a ser mais superficiais e, fora o proverbial companheirismo masculino, são também mais competitivos entre si.

Pelos homens, na realidade, eu sinto desejo físico. E só. Pergunto, por isso, onde é que essa tesão me vai levar? Que tipo de relações é que vou ter? Nunca fui um romântico, mas também nunca fui o tipo de homem capaz de ir para a cama com uma mulher só porque sim, só para facturar e contar vantagem. Por mais passageiro que fosse o envolvimento, e foram quase todos como já contei aqui antes, aliei sempre à atracção física (fundamental) uma afinidade, ainda que momentânea (mulher burra e fútil, por exemplo, faz-me “brochar” na hora).

Da mesma forma que sempre procurei a companhia de mulheres fortes, inteligentes e determinadas, que me desafiem física e intelectualmente, o mais certo é tentar seguir esse padrão com homens. Vai dar certo ou habilito-me a um choque de titãs? Das duas uma: ou assumo que é tudo absolutamente descartável e nem há tempo para discussões ou embate de personalidades, o que acho improvável, pois nunca me relacionei nesses termos; ou então, e mesmo não querendo relações sérias ― a bem da verdade, uma relação estável com outro homem é coisa que nem me passa pela cabeça neste momento e nem sei se algum dia passará ―, vou tentar, por mais casual que seja o sexo, que o outro não me seja um estranho completo. Uma coisa é certa, não me parece que me apeteça uma vida inteira de casos inconsequentes e sem conteúdo. Pode ser divertido durante um tempo. Duvido que o seja indefinidamente.

Outra coisa que me deixa cismado é se vou ter paciência para lidar com as neuras alheias. Como não quero de todo expor-me, o mais provável é que me vá envolver com tipos (caras) também eles na “clandestinidade”, o que quer dizer problemas. Todos os que vivem uma vida dupla atravessam, de uma forma ou de outra, os seus dramas interiores. Aturar os meus é uma coisa; aturar os dos outros é outra.

Enfim, já deu para perceber que não estou nos meus melhores dias. Mas é mesmo assim, suponho. Ontem dei dois passos em frente, hoje recuo um. Amanhã, quem sabe, avanço de novo. Estas dúvidas não me tiram o sono (que esse é sagrado), mas, não minto, estão a interferir na minha rotina diária.

Abri a caixa de Pandora, e agora tenho de me aguentar à bronca.

15 comentários:

Anónimo disse...

Como vc mesmo disse as experiências dos outros não se aplicam a vc. Eu por exemplo, sempre tive tesão por caras, nunca me entendi com mulheres, nunca as vi de outra forma além de amigas. E, particularmente não tenho muita intimidade com elas, penso de forma parecida mas não tenho afinidades, a gente se entende muito bem mas eu gosto de outras coisas eu do valor a outros fatores numa relação etc.
Se vc tiver mesmo disposto a se realcionar com caras vc tem que saber que uma coisa é certa: vc terá que ta pronto para o sexo casual, que é uma constante mesmo entre os que torcem o nariz pra promiscuidade virgente e esperam por um principe encantado, e se achar o cara da sua vida deve estar pronto para viver só pra ele pq a competição tá foda e quem não dá assistência tá ferrado. Existem sim caras excepcionais que vão te surpreender e muito, não é por acaso que os grandes homens da humanidade são homens(não estou sendo machista, existem sim grandes mulheres, vale ressaltar).
Quanto ao que vc falou de que as relações entre homens são mais superficiais isso depende do ponto de vista, o fato dos homens serem mais individualistas e terem um compromisso maior com o seu próprio prazer não significa diretamente que muitos não estejam disposto há uma relação mais sincera e de respeito mútuo. Acho que amar é ter respeito e isso pode haver entre qualquer casal independente de serem casais formados por um homem e uma mulher ou por dois homens.
Abraços.

Oz disse...

Menino G:
Visto de fora, realmente tudo parece um pouco distorcido, mas deve ser isso, cada um faz a sua pp estória. Valeu.
Abraço

Anónimo disse...

...fortes, inteligentes e determinadas,e qualquer outro ponto que você citou ou citar que lhe chama atenção nas mulheres, vc tbm ira encontrar em homens, e vice versa, eu acho que não há nada de diferente não, o caso é que nós não encontramos isso em nosso meio, mas não quer dizer que não exsita,eu encontrei até mais que eu esperava bm você ainda vai ter muitoooooooo tempo pra decidir, e ver com seus próprios olhos que nem tudo é o que pensamos, como o menino de cima disse, nem sempre as experiencias dos outros se aplicam a vc, mas eu já passei por isso que vc passou, a mesmaaa coisa, a mesma história, assim como 80% dos bi, é dificil desfragmentar uma toda uma cultura, todo um mundo em que aos poucos vamos descobrindo que não é exatamente como viamos, foi um abalo muito grande pra mim quando estive na situação de escolha, casar e ter filhos? criar corajem e assumir pra mim mesmo que gostava de homens? foi dificil, pq não queria perder nem um nem outro, mas com o tempo tu vai ver o que é mlheor pra ti :D


hoje só não concordo com 15 % do que tu escreveu, mas mesmo assim tu continuam muito sensato e verdadeiro rpz, muito do que tu disse é a realidade,

abraços rpz

Superfunky disse...

concordo com 89% daquilo que disseste! pareces-me muito sensato, no entanto parece existir um pouco de discriminação em relação aos bisexuais, ou então não os percebes mesmo... Porque o mais complicado não são as atitudes que se tomam, mas sim ter consciência dos reprecursões que essas aitudes terão no futuro...

Abraços

AVENTURA disse...

OZ!

Percebo que estas cercado por um sentimento que todo nós temos antes de ir à frente, MEDO. a parti desse principio, crias situações e desculpas para não aceitar uma possivel entrada de vez no meio gay, ai ficas construindo imagens em cima de HIPOTESES, teorias e rotulações (elas existem, mas para que servem mesmo?).

Entrei no meio gay, querendo ser bissexual, fui até um tempo, aida sou em partes. Mas chego a conclusão do caso 2 citado por você, foi transitório, no fim o que importa mais a mim é que não preciso sustentar a mascara da bissexualidade, já me bastam as que levei por muito tempo. Sou o que sou, e serei feliz desta forma.

Percebo ainda que tens medo de ser apenas gay e não gostar mais de mulher...medos de muitos aqui..mas só terás esta resposta quando efetivamente tiveres consolidado a tua entrada..falarás assim com causa vivida.

Quanto a comparação de relacionamentos homens e mulheres, concordo contigo em muita coisa. Mas se os caras são assim, mulheres tb o são. O que fazer, entrar embaixo da cama e esperar o principe em seu Alazão, mas debaixo da cama não verás e nem serás visto. Então, só resta viver e aceitar cada um com seus defeitos e qualidades e adaptar se a situação sendo feliz..cada um sabe até que ponto aceita uma situação para ser feliz.

abraços

Oz disse...

Super:
Vou responder-te a ti directamente, mas no essencial aproveito também para falar a todos os que estão a passar por aqui. Assumo que estou a fazer formulações, assumo, como disse o Jovem Aventureiro, que estou com medo de me lançar de cabeça.
Tudo isso é verdade e faz parte do meu processo. Sempre fui muito racional (talvez demais) em matéria de relacionamentos, por isso, ainda mais neste caso, em que estão tantas coisas em jogo que são importantes para mim, é claro que preciso de pensar alto e de ouvir algumas opiniões. No final, a decisão vai ser minha, mas não me faz mal ouvir a voz da experiência.
Concordo contigo que os bissexuais são alvo de discriminação, talvez até de uma certa incompreensão. Mas assumo aquilo que disse em relação à bissexualidade. Em teoria, e mesmo na prática, acho fascinante, mas a minha percepção é que, ao fim de um certo tempo, e no íntimo, todos fazem a sua escolha. Podem ou não assumi-la, mas sabem para que lado pende o seu coração e desejo. Atenção, eu não sou do tipo branco ou preto, acho que existem muitas gradações de cinzento pelo meio, logo é possível gostar de coisas diferentes e precisar delas do mesmo jeito. Mas, pelo que tenho lido, os depoimentos que tenho ouvido, tudo me leva a ver a bissexualidade, passada afase de descoberta em que é quase natural, como uma opção de compromisso e não como uma opção de coração. O tempo dirá se estou enganado. No fundo, eu adoraria que fosse possível desejar mulheres e homens com a mesma intensidade.
Abraço

disse...

Penso, e não me leves mal que as tuas incertezas, têm que ver como o medo do desconhecido...

Não tens forçosamente de te expor, nem de te assumir (para os outros), tens sim de o fazer para ti, e acima de tudo por ti. Se é isso que realmente procuras, ou se achas que é o que te pode trazer a felicidade, no campo afectivo.

Não temos rótulos, apenas gostamos de alguém que por sinal é outro homem. Aprender a viver com isso, é a chave, e o tempo ajuda-nos a encontrar o ponto de equilibrio...

Na minha humilde experiência, nunca tive problemas, e sempre fui eu mesmo, e bastante feliz!

Abraços Zé.

BlueBob disse...

Meu amigo Oz:

Abrir a caixa de Pandora não é fácil! Tudo que está passando, acredito que a maioria de nós passou. E como todo lugar desconhecido que passamos a explorar, sempre vai haver a dúvida se estamos indo pelo caminho certo. O que posso te dizer é que a única maneira de descobrir isso é o método da tentativa/erro. Não existem soluções prontas que servem a todos. Todos vivemos situações básicas, mas existem muitas variáveis na vida de cada um que tornam uma solução única para todos impossível. Você tem que continuar trilhando esse novo mundo e descobrir o melhor caminho. Tudo bem, a indicação de outros é preciosa, mas no final você é que decide.
Quanto ao termo bissexual, também acho confortável me autoproclamar bissexual. Até quando também não sei, mas não vejo mais o termo gay como via antes. Conhecendo e vivendo novas situações, estas moldam ou remoldam nossos conceitos.

Abraço

Anónimo disse...

Olá!

Gostaria de deixar o meu abraço a você, nesse momento de descoberta. Também acabo de descobrir seu blog e li todos os posts. Concordo: você é bastante sensato e claro em seus pensamentos. Mas apenas reforço o que já foi dito: cada um tem uma experiência de vida e as histórias são distintas. Que bom que decidiu compartilhar as suas conosco e assim trocar experiências, sensações, pensamentos. É como você disse: a decisão é sua, mas também ajuda muito "trocar figurinhas".

Voltarei sempre, se assim mo permitir.

Anónimo disse...

Espero que você encontre logo o seu caminho. Deve ser muito duro aguentar essa fase incerta. O quanto mais ela dura, pior.
Um abraço.

Anónimo disse...

Acho que você está no caminho certo e busca uma auto-aceitação. O processo é mesmo esse. Passei por isso e por este motivo criei meu blog. Hoje me sinto melhor e mais disposto a aceitar a verdade.
Não adianta fugir. É preciso encarar o lado bom dessa realidade e curtir a vida, que é mesmo curta.

Abç

Anónimo disse...

O post acima é meu.

Oz disse...

Teu não será, com certeza. No máximo, terás um parecido. O que vale é eu não estar convencido de que as minhas dúvidas e hesitações são originais, caso contrário agora estaria a sentir-me como tu. Lol

Moura ao Luar disse...

Bueno deu pa uma sessão caliente, mas espero que tenham sido responsáveis!

Gus disse...

Oz,

Você afirma: “Sempre fui muito racional (talvez demais) em matéria de relacionamentos”. Por seres muito racional, não permites que o instinto e a intuição tenham o seu espaço, o que é fundamental. Houve uma mudança radical no meu comportamento, quando a analista me disse: “não deves fazer sexo por obrigação”. Deixar o instinto fluir... O sexo casual é o melhor aprendizado. Viver junto? Por que? Para que? - Casar? Por que? Para que? Ser livre e relacionar-se com aquele ou com aquela que nos atrai é o caminho da auto-descoberta e da auto-realização.
Abraço