20.4.07

O engate*

*Engate: quem ainda não souber o que é, vá ao post anterior.


Tu estás livre e eu estou livre
e há uma noite para passar
porque não vamos unidos
porque não vamos ficar
na aventura dos sentidos

Tu estás só e eu mais só estou
que tu tens o meu olhar

tens a minha mão aberta

à espera de se fechar

nessa tua mão deserta

[refrão:]
Vem que o amor
não é o tempo

nem é o tempo

que o faz

vem que o amor

é o momento

em que eu me dou

em que te dás

Tu que buscas companhia
e eu que busco quem quiser

ser o fim desta energia

ser um corpo de prazer

ser o fim de mais um dia

Tu continuas à espera
do melhor que já não vem

e a esperança foi encontrada

antes de ti por alguém

e eu sou melhor que nada

(Canção do Engate, António Variações)


Este fim-de-semana, vou sair de Lisboa com um grupo de amigos. Por si só, o facto não teria nada de extraordinário, não fossem duas coisas: a presença de uma amiga no grupo de que já falei aqui e o ter decidido não aproveitar a oportunidade para ficar a conhecer, ao vivo e a cores, um blogger com quem ainda cheguei a falar algumas vezes por MSN.

Sobre a primeira situação, não vou falar muito, vou esperar para ver como corre. Muito dificilmente ela avançará se eu não lhe der nenhum sinal nesse sentido ― e eu não vou dar, o problema é que temos uma enorme cumplicidade e estou desconfiado que ela vê nesta viagem uma hipótese de acontecer algo mais. Não quero ser obrigado a entrar em explicações, mas também não quero que ela se sinta rejeitada ou magoada. Uma PORRA, é o que eu vos digo. Eu até já ando com medo de fazer brincadeiras, como reconheço ser meu hábito, e a medir muito bem o que digo, pois parece que, de repente, uma ou duas amigas à minha volta se lembraram de me começar a ver com outros olhos… Um dia destes, uma até me mandou um e-mail a dizer que me achava encantatório (deve ter sido dos elogios mais bonitos que recebi em toda a vida). Mas, logo AGORA? Uma vez, um tipo bissexual confidenciou-me que não há nada como um homem se começar a interessar por outros homens para as mulheres se sentirem atraídas… A ser verdade, só encaro essa reacção kamikaze como algo do género: deixa-me cá “salvar” este antes que seja tarde demais; ou, se eu conseguir trazê-lo de novo para o bom caminho isto só provará que eu sou uma mulher e tanto!? Confesso-me baralhado.

Já o segundo caso não me oferece dúvidas, mas é um precedente que me obriga a pensar naquilo que ando a fazer. Quando li o blogue do fulano em questão ― li porque agora já não leio mais, perdi a paciência para a sua pose ― e das vezes que falámos, não me pareceu má pessoa, mas deu para perceber que, fora algumas coincidências, não temos grande coisa em comum e a nossa forma de estar na vida é muito diferente. Já para não falar que tem uma cabeça complicada. E para complicado já basto eu.

Desde a primeira conversa, sugeriu sempre que marcássemos um encontro para ir beber um copo, “sem intenções sexuais”, ao que eu mostrei sempre grande resistência. Primeiro, não me apetecia sair do anonimato sem mais nem menos, depois porque até acho que pode fazer sentido querer conhecer alguém com quem vamos estabelecendo uma afinidade virtual, mas isso leva tempo e implica ganhar confiança. Neste caso, não só não ganhei suficiente confiança, como acabei mesmo por perder o interesse. Não é para mim.

Isto leva-me, porém, a uma constatação: se eu não frequento discotecas (boates) GLS, se torço o nariz a blind dates, se fujo a sete pés dos chats ― o episódio relatado pelo Bob a esse respeito (espero que não leves a mal esta referência!), só contribuiu para aumentar a minha aversão ― e não me estou a ver na pele do que em Portugal apelidamos de “panasca do urinol” (homem "enrustido" que vai para o engate nas casas de banho/banheiros públicos), como é que eu vou conhecer potenciais parceiros?

Uma boa pergunta para a qual não tenho resposta. Ter até tenho, é capaz é de não ser muito boa. Antes de me embrenhar mais no tema, permitam-me esclarecer uma coisa: não me considero melhor do que ninguém, nem me estou a colocar num pedestal.

Afinal, o que é bom para tantos gays não serve para mim? Não é isso. Também não me estou a armar em romântico ou a fazer de difícil ― até porque a minha mais recente experiência, relatada neste blogue nas entrelinhas, já me fez cair do cavalo e provou-me que, ao contrário do que eu julgava, não é assim tão improvável eu ficar encantado com outro homem ―, mas só acho que até mesmo a queca (transa) básica, descartável como qualquer preservativo (camisinha), pode (atrevo-me quase a dizer que deve, mas vão-me chamar "careta") envolver o mínimo de cumplicidade.

Estou a confundir as coisas e a perverter as regras do jogo? Também não sou assim tão ingénuo. Sei o suficiente da cultura gay para ter consciência que muito do prazer do relacionamento entre homens está, precisamente, no acto de engatar, na queca sem consequências e sem obrigação de telefonema no dia seguinte com desconhecidos, a excitação de ser apanhado com as calças na mão ― acho que foi George Michael, das vezes em que foi apanhado em flagrante, que proclamou o seguinte: fora da cultura gay jamais poderão entender essa necessidade de ir engatar estranhos num banheiro público, mesmo correndo riscos. Não sou totalmente indiferente a essa lógica, mas a atracção pelo abismo não suplanta o medo. Sou medricas (medroso) demais, assumo, para entrar num esquema desses, até porque só consigo pensar em tudo de mau que poderia acontecer (da violência às doenças sexualmente transmissíveis, passando pela falta de higiene).

Talvez por isso, não consigo descobrir grandes diferenças entre os chats e os engates num banheiro público. Sei que os primeiros permitem conhecer pessoas, conversar previamente com elas e abrem um mundo de possibilidades que antes não existiam, mas também estão cheios de armadilhas. Além de que, dá-me a impressão, é tudo muito vapt-vupt para o meu gosto: passivo ou activo? Que idade? Onde? Como? Quando? Com a vantagem, claro está, de se poder abrir uma webcam e mostrar o produto em primeira-mão. Agrada? Não agrada? Tudo muito cru. Tudo muito preto no branco. Deve ser do melhor para quem não quer perder tempo e quer mesmo é ir directo ao ponto. Haja, no entanto, auto-estima à prova de balas, porque o nível de rejeição deve ser uma coisa de doidos. Nada, todavia, que uma couraça em lugar de pele não resolva.

Chamem-me os nomes que quiserem, mas não me apetece sujeitar-me ao escrutínio de eventuais compradores. Sim, porque para mim, mostrar-me por fragmentos numa webcam, com especial enfoque nos pontos que sabemos, não deve ser muito diferente do que se fazia antes nos mercados de gado com as bestas ou nos mercados de escravos com os machos reprodutores. Sei que estou a ser duro, e sujeito-me por isso às vossas críticas e reparos, mas estaria a ser hipócrita se dissesse que penso o contrário.

Se calhar, admito, eu sou um gajo demasiado antiquado. Pois que seja, mas para mim ainda prefiro um engate não virtual, com pessoas de carne e osso à minha frente, a quem possa ouvir a voz, sentir a respiração, sentir o cheiro e olhar nos olhos. Alguém, por mais passageiro que seja na minha vida e eu na dele, que me avalie como um todo e não apenas em função dos bíceps ou do tamanho do pau. E se isso implicar ficar, literalmente, na mão por mais uns tempos, tanto pior, mas ainda não estou a ponto de abdicar de certos princípios. Prazer não é tudo. Não para mim, pelo menos.

Tenham um bom fim-de-semana, que eu também vou fazer por isso!

11 comentários:

Will disse...

Caro Oz:

Não posso deixar de sorrir quando leio os teus posts... recordam-me sempre os meus primeiros passos.

Já me coloquei todas as questões que aqui levantas. Também sou muito receoso mas talvez por ter vivido até aos 22 anos com receio e ver que outras pessoas da minha idade viviam a sua sexualidade com naturalidade a determinada altura respirei fundo e experimentei algumas coisas de tudo o que se falava.

Hoje, poucos anos depois, percebo que existiram passos que foram dados e que não devem ser repetidos (por poderem ser prejudiciais) e outros que nos enriquecem e que nunca são demais.

Seja como for, todos eles integram o meu percurso e compõem o caminho feito até agora. Se hoje sei o que sou e para onde vou é graças a esses mesmos passos.

Com o tempo também verás que, das coisas que experimentaste, algumas não devem ser repetidas e outras são sempre bem-vindas, mas que todas elas te ajudarão a crescer e a definir melhor posturas e objectivos.

Um abraço e bom fim-de-semana

Anónimo disse...

Meu caro Oz
não sei o que se passa comigo, em relação ao teu blog, mas é um facto que é um dos blogs que mais curiosidade tenho em visitar, no dia a dia. Os assuntos que tratas são-me muito interessantes, sinto, como diz o Will, que já passei por tudo isso, mas nunca questionei tanto e tão bem, como tu o fazes, essas questões (talvez,devido aos tempos então serem outros...).
Mas adiante, dou-te razão no que dizes àcerca do engate, ou melhor acerca dos diversos tipos de engate. Eu evoluí muito nessa matéria, e hoje posso dizê-lo, não estou para aí voltado; tal fica a dever-se essencialmente a ter encontrado alguém que, mesmo muito longe, não me permite(porque não o desejo) ter sexo com outras pessoas, prefiro guardar-me, pois isso é maravilhoso, é aí que está a diferença entre o sexo como complemento do Amor ou o sexo como prazer rápido e posterior frustação. Mas não sou contra o engate, já o pratiquei´; mas penso, e não será desculpa, sempre com o encapuçado desejo de encontrar "o outro"; e foi mesmo num site de encontros que o encontrei. Talvez, por isso, e por ter, no meio de uma imensa maioria de coisas muito más, encontrado alguns amigos, que ainda mantenho lá um perfil e por lá passe muito de quando em vez. É que eu posso não ter necessidade de sexo fora do meu amigo, mas sempre tive alguma sede de Amizades, e como sempre sou sincero, por vezes encontro gente sincera também, raramente.
Aqui, na blogosfera, é diferente, penso eu, pois as pessoas conhecem-se não pelo que mosream dos seus atributos físicos, mas sim pelas palavras que vão criando; e é lindo ir descobrindo Amigos assim, acredita, e é puro, por ser desinteressadamente.
Desculpa este testamento, mas o culpado és tu, com os teus posts....
Um abraço

Anónimo disse...

Acho que o segredo é não ter muitas expectativas, e deixar acontecer, espontaneamente. Não pensar em regras do jogo. Não se preocupar demais.
Ah, respondendo sua pergunta, vc foi muito observador e acertou sim. Foi meu níver uns dias atrás, na semana passada. Obrigado!
Um abraço

Moura ao Luar disse...

Então boa voyage :-)

BlueBob disse...

Olá Oz!

Bom antes de mais nada, justificativa aceita! Estou te aguardando para continuarmos com nossas conversas via MSN.

Cara, é uma honra ser citado no teu blog, faça sempre que achar necessário.

O meu objetivo ao escrever um blog, não é só usa-lo como um diário virtual, desabafar as minhas angustias, mas também lançar discussões sobre temas que todos nós temos nossas experiências e impressões. Com isso acho que podemos aprender uns com os outros de nossos erros e acertos. E posso te dizer que você está certo em fugir a 7 palmos de chats. Ali é um ambiente regado a testosterona, onde você dificilmente encontrará o que está procurando. E acrescento mais, é viciante também. Uma vez que se satisfaça ali, quando estiver carente aparece aquela dúvida: como será que está o chat? E lá vai você saber a resposta. Ok, você pode encontrar ali pessoas que estão a fim de algo mais, como encontrei ali 2 ou 3 que mantenho amizades virtuais. Mas acho que são exceções. Vivendo e aprendendo meu amigo!

Realmente fica difícil você encontrar alguém como quer se não se expor (não estou falando fisicamente, ok?). Díficil mas não impossível. Como você mesmo disse, não quer abdicar de seus príncipios. Está certíssimo. Possivelmente essa tua postura honesta vai atrair o tipo certo de homem para você. Deixe-me só corrigir uma coisa: quem disse que você não está se expondo? O que é esse blog então? Aqui você está se mostrando de uma maneira que acho que nunca fez (assim como eu). E talvez poraqui você atraia a pessoa certa.

Boa viagem, divirta-se e depois conte tudo hein?

Bjs

Anónimo disse...

:/

é engraçado que quanto mais eu leio vejo certas semelhanças entre nós dois, aconteceu o mesmo comigo, eu sempre me achei feio, e nunca tive muito assédio das garotas, mas depois que comecei a em relacionar com garotos, estranhamente apareceram mais garotas afim de mim, e isso foi muito surpreso, nunca esperei coisas do tipo, mas foi até legal a situação, e a respeito dos bate papos, eu aocnselho a nem entrar mesmo cara, você só acha gente querendo uma coisa, "sexo", e bom, dessa vez não deu certo, não desista, você está no caminho, o bom é você arranjar uma amizade sincera, um amigo parecido com você, e assim aos poucos você desencanando com algumas idéias, quebrando certas barreiras e tal.. isso é o mais importante, você estar disposto a pelo menos olhar com uma outra visão toda essa situação, mesmo correndo o risco de algum dia acabar descobrindo que esse não é o caminho que quer seguir :)

Anónimo disse...

Já o disseram: não se preocupe muito com regras do jogo. Regras existem para serem quebradas. E há, sim, pessoas maravilhosas em chats (e pelo mesmo motivo que te concerne: não saber mais onde procurar). Também o disseram: blogs são uma nova alternativa de exposição, de trocar idéias, conhecer pessoas. Portanto, faça o que o coração mandar porque com certeza você já está marcado: o Amor vem vindo! :-)

Unknown disse...

Amigoooooooooooooo! Blz? Olha, não acho qeu vc seja antiquado ou que esteja errado em pensar assim... Vc apenas está querendo que as coisas aconteçam com qualidade, bem feitas, e não como se estivesse se satisfazendo com migalhas.
Beijos!

FOXX disse...

hummm
realmente
como vc vai conhecer alguem?

Superfunky disse...

entao como correu?

Latinha disse...

Olá Oz,

Amigo, realmente temos muitas coisas em comum, e devo confessar que teu blog é muito legal, fico encantado com teu texto. Sua forma de escrever é encantadora.

Durante muito tempo eu achei que estava perdido no tempo, tinha a sensação de que tinha sido tirado de alguma época e jogado nos dias de hoje. Eu nunca me encaixei "nos padrões" e também nunca fui muito de acompanhar a onda, prefiro acreditar que posso "fazer" minha própria onda.

Nesse caminho, às vezes tive a sensação de estar andando na contra-mão. Mas ao encontrar blogs como o seu e de vários outros colegas, vi que existem outras pessoas como eu e que não sou uma ave tão rara. ;-)

Espero que sua viagem tenha sido boa e principalmente que você tenha ficado feliz independentemente do desenrolar dos acontecimentos.

Abraço.