5.7.07

A despedida-Parte IV

The Pillow Book, de Peter Greenaway

IV
A AUSÊNCIA

(Trilha sonora: Against all Odds, por Phil Collins, escutar aqui)


Cinco meses, sete dias e muitas horas, quase todas contadas ao minuto, desde que saíste por aquela porta. Quero que saibas que não espero resposta a esta carta. Há muito que perdi a esperança de te ver entrar de novo por esta mesma porta. Mas continuo a sentir a tua falta. Continuo a não ser capaz de superar a tua ausência. Sei que não suportas a minha carência, a minha falta de amor-próprio ― em parte, acho que foi por isso que me deixastes, sentiste-te sufocado pelo peso do meu amor ―, mas eu não sei ser de outra forma. Não contigo, pelo menos. Não te iludas. É claro que não tenho estado sozinho este tempo todo. Tentei, como me disseste, ou melhor, me ordenaste, seguir com a minha vida. Mas que posso fazer se é a tua boca que quero na minha, se é a tua mão que procuro quando alguém me toca? Pergunto, tantas vezes que já lhe perdi a conta, onde foi que errei…Quando, em que momento, eu não percebi que o meu amor por ti deixou de ser suficientemente grande para nós dois? O meu pudor não me impede de te confessar que, nas alturas em que o teu afastamento se me torna insuportável, saio, desvairado, à tua procura nos lugares que costumávamos frequentar juntos, sempre na esperança de te encontrar. Corro o risco, bem o sei, de te ver nos braços de alguém que não eu…. Mas acho que prefiro isso à ideia de nunca mais te ver. Às vezes, já com o dia quase a romper, fico às voltas na cama e não resisto ao impulso de agarrar no telefone e te ligar. Só queria ouvir a tua voz mais uma vez, mas maldigo a hora em que, do outro lado da linha, poderei escutar outra voz que não a tua … De todas as coisas que deixaste para trás, e que me ajudam a manter viva a tua presença nesta casa, é no jardim que me sinto mais perto de ti. Ainda hoje me surpreendo como, logo tu que nunca tiveste paciência para o prazer não imediato, te empenhaste a fundo, meses a fio, a dar-lhe forma. Estou certo que começou por ser (mais) um capricho teu, mas, no fim, acho que o mexer na terra te deixava feliz e menos tenso. Tenho-me esforçado para o manter tal como o deixaste, mas não possuo a dedicação do fiel jardineiro*. Ainda assim, gostaria que estivesses cá para ver as primeiras tulipas, narcisos e frésias a anunciar a chegada da Primavera. Já te disse que sinto a tua falta? Preciso dizê-lo, já que não me deste tempo para muito mais quando te foste embora. Por isso, quando leres esta carta ― e eu prefiro acreditar que a vais ler e não jogá-la directamente no lixo ―, quero que saibas que continuo aqui, no mesmo lugar onde me abandonaste faz hoje cinco meses, sete dias e muitas horas. Horas que conto ao minuto.

Com amor,

P.

* Referência ao filme O Fiel Jardineiro (The Constant Gardener, no original), do brasileiro Fernando Meirelles, com Ralph Fiennes e Rachel Weisz.

7 comentários:

Anónimo disse...

Tem gene que realmente não consegue largar o osso e parece que se alimenta do sofrer. Ainda assim, é amor. Ou não?
Beijo!

P.S.: O Bill Covinhas (o canto aí) tá cada dia mais gostoso, ai ai...

Anónimo disse...

(o cantor)

RIC disse...

... O que me parece mais curioso neste textos (que a fundamental existência da blogosfera veio pôr em circulação até mesmo entre comunidades linguísticas diferentes) é o facto de serem infindas variações sobre um tema que, em princípio, estaria já mais que batido e esgotado. «Eppure»... Assim não é de todo. Há sempre finíssimos cambiantes de sentimentos, de enfoques, de linguagem, de ritmo narrativo, de descrição mais ou menos pormenorizada... Enfim, cada um tem um valor intrínseco.
E esta é uma carta muito bela. Sente-se o desespero do remetente... Já não tem nada a perder... Mais vale dar livre curso ao que o atormenta... De que serviria preocupar-se com a preservação do amor-próprio? Orgulho vazio para terceiros verem?
(Chega de me confessar!...)
Abraço! :-)

Poison disse...

A pergunta é...

Terá ele tido coragem para enviar a carta?
Ou ficou esta trancada na gaveta?

Belo texto - como sempre!!!

Abraços!!!

Anónimo disse...

Oi, achei teu blog pelo google tá bem interessante gostei desse post. Quando der dá uma passada pelo meu blog, é sobre camisetas personalizadas, mostra passo a passo como criar uma camiseta personalizada bem maneira.(If you speak English can see the version in English of the Camiseta Personalizada. Thanks for the attention, bye). Até mais.

BlueBob disse...

Mais um maravilhoso capítulo dessa sua pentalogia sobre despedida!

O próximo infelizmente será o último. Ou não? Que tal mais uma pentalogia?


Bjs

Anónimo disse...

O eterno problema de sentimentos, que a partir de certo momento, perderam a correspondência; são viveres sofridos os que a carta retrata, e embora se diga que o tempo tudo cura, há feridas que demoram muito a sarar, quando saram...
Mais uma vez brilhante o expandir das palavras a fazerem-nos compreender na sua plenitude esse "frio na alma".
Já agora, e não é uma crítica (até gosto do tema do Phill Collins), porque não um fado para "acompanhar" esta despedida?
Abraço.