4.7.07

A despedida-Parte III


III
A PARTIDA

(Trilha sonora: Breathe Me*, por Sia, escutar aqui)


Acreditei, ou quis acreditar, que seria capaz de deixar tudo para trás e ir viver um grande amor. A família, os amigos, a carreira, a casa, os livros, o gato, a cidade onde nasci e vivi, e tantas outras coisas que já fazem parte do meu código genético. Cedi ao impulso de me meter num avião para atravessar o Atlântico quando senti que não podia mais adiar a consumação de uma paixão nascida não da convivência diária, mas sim de momentos fugazes roubados à rotina de cada um de nós nos últimos meses. Quando ia ao seu encontro, quase rezei para estar enganado. Teria sido tão mais fácil… Mas, vê-lo, abraçá-lo só veio confirmar o que eu já sabia, afinal, esperei por alguém como ele a minha vida toda. Claro que houve uma estranheza inicial, que tivemos de quebrar aos poucos, mas depressa alargámos a sintonia espiritual que já vinha de antes a uma comunhão maior. Sacrifiquei as minhas férias de Verão para passar um mês inteiro com ele. Não me arrependo. Como poderia eu arrepender-me se fui feliz como nunca antes o fora? Durante esse tempo, pude saborear o seu beijo e mapear o seu corpo de forma a saber onde me encaixar na hora de dormir, mas vivi também a sua vida, fiz dos amigos dele os meus, da sua família a minha, da sua casa a minha. Na verdade, eu tentei. Tentei, mas não consegui. Os dias foram passando e calámos a ansiedade de se estar a aproximar a data da minha partida. Foi uma espécie de pacto tácito que fizemos para não turvar a felicidade dos últimos instantes. Não ousámos falar do futuro. Percebi, desde o primeiro minuto, que a vida dele era ali. Acreditei, ou quis acreditar, que a minha também poderia ser ali se eu me esforçasse. Pedi um milagre de amor. Chegou a hora marcada. A caminho do aeroporto, não trocámos palavra. Deixámo-nos ficar de mãos dadas no banco de trás do táxi, alheios aos olhares de reprovação que o motorista nos lançava através do espelho retrovisor. Tirei sozinho as malas da bagageira do carro. Ele limitou-se a seguir-me até ao check-in. Cabisbaixo. Sempre em silêncio. Quando comecei a vê-lo engolir em seco, temi que, a qualquer momento, rompesse num pranto. Conteve-se. Eu contive-me. Chegámos ao portão de embarque. A última fronteira. Não podíamos mais adiar aquele abraço de despedida. Abraçámo-nos então. Não sei quanto tempo estivemos assim, apertados um contra o outro, com os nossos corações aos pulos, mas pareceu-me uma pequena eternidade. Acho que nem demos pelos outros passageiros, que eram obrigados a desviar-se. Fui eu que o afastei. Fi-lo olhar para mim e prometer-me que não seria um adeus, mas, tão-só, um até breve. Ele acenou-me que sim, mas as lágrimas escorriam-lhe já pelo rosto. Esforçava-se, em vão, para não soluçar. Foi a minha vez de engolir em seco. Desprendi-me da sua mão e fui. Quando me voltei para trás, para o ver uma última vez, estava escrito no seu rosto. Ele sabia, como eu sabia, que não haveria amanhã.

* Fui buscar esta música à sequência final do seriado Six Feet Under (Sete Palmos de Terra em Portugal), a que ainda hoje não consigo assistir sem emoção. Podem ver ou rever aqui.

7 comentários:

Will disse...

Tive uma despedida dessas em 2005. Conhecemo-nos numas férias e tudo foi perfeito. Até ao dia em que tivemos que nos despedir para eu embarcar no avião...

Recentemente reencontrei-o em Londres. Foi bom voltar a partilhar com ele alguns momentos, mas ambos percebemos que não valia a pena ressuscitar o passado. Aquelas férias foram um período especial. Outros haveriam... Afinal, a vida é feita de momentos.

Anónimo disse...

Que hei-de eu dizer disto?
Ao contrário dos outos dois textos, este tem muito a ver comigo.
Já lá vão umas quantas despedidas de aeroporto, todas elas "molhadas", mas com uma certeza, a de que esse ùltimo olhar, não será, decerto o último e nunca foi.
Amar à distância é talvez a mais difícil prova de amor, quando ele é recíproco. Quanto ao futuro, as dúvidas assaltam-me sempre, pois também eu vejo difícil um viver conjunto, mas o Amor vence, estou certo.
A música, como sempre sucede quando revejo este vídeo, põe-me de lágrima no olho, o que não é difícil, mas não será, na minha opinião a mais adequada para este texto; é demasiado forte para um texto finalizado, com tanta "facilidade"..
Abraço.

Anónimo disse...

O pingüim parece dado a um drama, hehehe. Eu gostei. Já vivi parecido e realmente dói muito a despedida. Mas passa. Tudo na vida é passageiro, menos o cobrador e o motorista...

Latinha disse...

Hum... a pouco tempo atrás, pela primeira vez, eu tive que me despedir de alguém... na foi no aeroporto, foi em uma rua próxima ao hotel onde eu estava hospedado.

A dor de vê-lo partir em um táxi naquela noite só foi superada, pela dor de embarcar de volta para casa e a certeza que de que não haveria amanhã.

Perfeito como sempre, eu tinha pensado em comentar apenas no final, mas não resisti. Aliás, despedidas tem sido uma coisa meio constante nesses últimos dias para mim.

Abração

RIC disse...

De longe - para mim - o mais convincente e, acento-o, o mais verosímil até agora.
Profundamente comovente, não apenas pela fácil identificação do leitor com a situação (quem é que não teve já de se despedir com um nó na garganta e lágrimas à beira de saltarem?), ou por um qualquer efeito catártico (sempre presente na literatura ocidental...), mas porque a tensão em crescendo está muito bem doseada, ao que não é alheio o parágrafo único. Chega-se ao fim em velocidade de cruzeiro, a trepidar...
Chorei, mas não faz mal... Obrigado!
Um abraço! :-)

(Qual é a tua editora?...)

BlueBob disse...

Meu amigo Oz!

Cada vez me surpreendo mais com você! Magnífico esses textos até agora. Com certeza os 2 próximos também serão. O texto A Lembrança é o que mais me emocionou até aqui. Faltou pouco para as lágrimas rolarem.

Ah, fiz exatamente como sugeriu, esperei carregar a música para então ler o texto.

Bjs

Pralaya disse...

Fantástica escolha de música por si emocial e muito boa...
Quanto ao texto apenas digo como muita gente eu penso que sempre estive com as pessoas certas nas alturas erradas e na verdade houve uma que me tocou muito porque eu por amor fui para um país estranho e vivi numa cultura diferente da minha, até que ao fim de um ano não aguentei e vim embora, ainda me lembro da despedida que com essa pessoa eram sempre muito dificeis, sempre no aeroporto e sempre com um nó na garganta. Enquanto lia o texto ao sabor da música escolhida por ti deparei-me com lágrimas a correrem pelo meus rosto, a minha pele arrepiada a lembrança das última despedida que tive no aeroporto de Zurique quando soube que era de vez que regressava a Portugal e nunca mais voltava ali. Senti o nó na garganta e o aperto no coração.
Obrigado pelo que me fizes-te sentir, porque percebi que ainda sou humano.