6.7.07

A despedida-Parte V

EPÍLOGO
Termino hoje a minha série de estórias curtas. Obrigado a todos os que tiveram a generosidade de as ler e de emitir, de uma forma ou de outra, a sua opinião. Foi importante para mim. Quando me propus escrever sobre a despedida, nas suas várias formas possíveis e colocando-me sempre em diferentes peles, fi-lo sem pretensões literárias maiores, mas foi, assumo, um exercício de estilo. É um tema que provoca desconforto. Comprovei-o através de muitas das vossas reacções. Em momento algum quis ser original, afinal já (quase) tudo foi dito e escrito, mas cada uma delas, mal ou bem, foi sempre contada do meu jeito. É isso que me interessa: contar estórias do meu jeito. Aceito, até porque foi intencional, que, de todas elas, a mais fantasiosa é a primeira, A Maldição. Mas há ali um fundo de verdade. A figura do predador sexual fascina-me e repugna-me. Assim como os anjos negros e os vampiros. A analogia não foi, por isso, mera coincidência.


V
A CULPA

(Trilha sonora: Goodbye my Lover, por James Blunt, escutar aqui)


Não foi fácil convencê-la a arranjar-se para este jantar. Não a levo a mal. No seu lugar, nem sei se teria feito sequer o esforço de vir. Mas ela sempre foi muita mais generosa do que eu. Estou nervoso. Tenho as mãos húmidas do suor. Sinto-a igualmente irrequieta. Apercebo-me que tem estado a evitar encarar-me nos olhos desde que aqui chegámos. Não posso deixar de me recordar do momento, há mais de dez anos, em que, neste mesmo restaurante, a pedi em casamento. Lembro-me que tremia de antecipação e que só não acabei no chão à procura do anel de noivado porque, felizmente, o maître estava atento e salvou-me do embaraço. Foi uma das noites mais felizes da minha vida. Talvez por isso, fiz questão de aqui voltar com ela. Ignoro se terá ideia do que se passa, de que este será, porventura, o nosso último jantar. Enquanto marido e mulher, pelo menos. É claro que deve desconfiar, afinal, que mulher não estranharia não ser procurada na cama há mais de dois meses? Isto para não falar nas desculpas, cada vez mais esfarrapadas, que tenho inventado para justificar as minhas constantes ausências. Vendo bem, agora que penso nisso, há muito que ela deixou de me cobrar seja o que for…Olho para ela. Reparo que não tem mais o frescor de outrora, mas é hoje, sem dúvida, uma mulher bem mais interessante do que era há dez anos. Comovo-me com a visão do seu vestido preto decotado e a forma como este lhe realça a pele cor de azeitona. Conheço cada uma daquelas sardas que lhe descem do pescoço aos seios. Os seus olhos continuam esquivos. Faz tempo que não os desprega da ementa, que, a esta altura, já deve saber de cor. Mas não preciso disso para saber o que lhe vai na alma. Quero que este jantar, apesar do óbvio confrangimento que se abateu entre nós, corra o melhor possível. Que fique, se possível, como uma boa lembrança. Mas esta noite, quando formos para casa, eu não vou subir. Trago na mala do carro algumas mudas de roupa, que ali pus sem ela perceber, para os próximos dias. O resto fica para depois da poeira assentar. Já ensaiei mil vezes o que lhe vou dizer quando estivermos a sós, mas temo ser atraiçoado pela emoção e engasgar-me na hora. Serei eu capaz de lhe fazer ver que ela foi a primeira e a única mulher da minha vida? Que não vi nela uma tábua de salvação, muito menos uma saída de conveniência, mas tão-só alguém, a única mulher nunca é demais dizê-lo, por quem fui capaz de me apaixonar? Que lhe estarei eternamente grato por me ter proporcionado a experiência de ser pai? E ela, será ela capaz de acreditar quando lhe jurar que nos imaginei a envelhecer juntos? Partilhámos tanta coisa e, ainda assim, não consigo prever qual será a sua reacção… Às vezes, quase desejo que ela me agrida, que me insulte. Acho que só assim seria capaz de sentir um pouco menos de culpa e de remorso. Não estou a trocá-la por outra mulher, mas foi nos braços de outro homem que me entreguei por completo como nunca o consegui fazer com ela. Foi essa a minha maior traição. Sei-o bem. Será ela capaz de me perdoar, passada a mágoa? E eu, serei eu capaz de me absolver um dia?

13 comentários:

Latinha disse...

Mesmo que o caminho já seja conhecido, muitos tropeçaram e outros ainda tropeçarão nele. Além disso, talvez a verdadeira originalidade esteja na forma de captar as emoções e descrevê-las. O que você fez muito bem!

Cada um deles me trouxe uma reflexão, uma aflição, um arrependimento. Nunca estamos preparados para esse momento!

Adorei! Grande abraço!!!

Anónimo disse...

Num exercício de estilo li o texto de hoje sem o devido acompanhamento musical. O texto está supimpa, claro, mas como uma trilha ajuda a situar uma emoção, hein? Reli-o com a música na cabeça e aí quase chorei, hehe... Mas o exercício tinha um motivo: achei que essa história de despedida toda pudesse ter algum fundo de verdade do tipo 'vou fechar o blog' a ser revelada hoje. Aí sim eu ia chorar!!

Bom fim-de-semana! :-)

Manuel Braga Serrano disse...

Caro oz: Confesso que fiquei desiludido com o fecho do ciclo das "despedidas", não por culpa tua. Estava à espera de que, no fim, estas cinco histórias acabassem por criar na imaginação uma sexta (mas isto sou eu que gosto muito dos modernistas).

Já agora, tenho uma sugestão: reparei, não agora, mas desde que comecei a visitar o teu blogue, a tua escolha certeira nas epígrafes. Por que não, usar essa habilidade ao longo da história, e usar citações intercaladas com os blocos da tua autoria.

Poison disse...

Olá, Oz!!!

Vou dizer: fechou com chave de ouro!!! Gostei muito deste último enfoque, e por "n" razões me identifiquei com a "trama"!!!

Curti tanto que até me inspirei para tb escrever sobre este tema!!! Espero que não me chame de plagiador, viu?!? Hehehehe!!!

Parabéns pela "semana temática"!!!
Abraços!!!

RIC disse...

Em primeiro lugar, parabéns pela conclusão da tarefa proposta! Tive uma semana mais rica com estes textos, sem dúvida!
Quanto a este, oferece-se-me dizer que é uma conseguida «tranche de vie». Do narrador diria que uma das características que nele mais me comovem é uma certa ingenuidade (sincera ou fingida, não me é possível ajuizar), sobretudo quanto ao seu futuro relacionamente com a mulher da sua vida e a mãe do seu filho, a qual é trocada por um homem... Ou ela é mulher de excepção ou ele poderá ainda sofrer muito ás mãos dela...
Meras conjecturas...
Obrigado por todos estes dias!
Continua, por favor!
Um abraço! :-)

Anónimo disse...

AMEIIII ....

HAIRYBEARS
http://hairybears.blogspot.com/

João Visionário disse...

sempre muito efusivo este "hairybears" pergunto-me se ele chegará sequer a ler aquilo que escrevemos... mas enfim. estás de parabéns pela tua tarefa e gostava de reparar numa coisa que achei muita piada: tu, tal como eu, utilizas a palavra estórias... sendo que infelizmente já toda a gente a ridicularizou e empregam a palavra história para tudo sem que, com isso, se faça a diferenciação. um abraço e até uma próxima. comento pouco mas ando por aqui observando!

Unknown disse...

Amigooooooooooooo! Bom, eu adoreeeeeei os teus textos! Se resolver fazer uma segunda série, vá com tudo! Super beijos, viu, gatão!

Anónimo disse...

Não propositadamente, fiz o mesmo que o Edu e li o texto, sem ouvir o tema musical; e também éu, após o reler com a música gostei muito mais, isso é muito curioso...
Esta situação que relatas parece não ser nova, nem será a última, mas claro que me passa um pouco ao largo.
Vale a pena fazer um "apanhado" destas tuas 5 despedidas, que foi um trabalho brilhante, no qual retrataste muito bem cinco situações de ruptura todas bem diferenciadas, em que a componente homossexual é determinante.
A ideia dos fundos musicais resultou em cheio e foi criteriosa.
Parabéns.
Abraço.

FOXX disse...

bom
mto bom
e a trilha?
uuuuuuuuuuhhhh

Râzi disse...

Meu padeiro querido! Depois de algum afastamento, retorno!!

Sabe, é engraçada essa coisa. Pode parecer estranho, mas uma das coisas que ouvi a minha ex dizer é que se eu a tivesse trocado por outra mulher, ela não teria me perdoado! Na realidade, eu não a troquei. Nosso relacionamento se acabou e eu me apaixonei pelo Lê.

Eu não sei se isso seria o pensamento de todas as mulhere... e acho que não... mas cada caso é um caso!!

Como sempre, vc escreve maravilhosamente!!!

Beijão, lindo!
PS. Quero pão!:D

João Roque disse...

Amigo Oz
volto aqui para te pedir que substituas nos teus "universos paralelos", o link que lá tens, que se "fundiu", por este qy«ue aqui vai.
Abraço.

BlueBob disse...

Oz, encerrou com chave de ouro sua pentalogia da despedida. Me vi nesse texto. Vc captou meus sentimentos. Meu amigo, vc foi maravilhoso. Te admiro ainda mais, sabia?

Beijos