11.7.07

A dança da chuva


And I’d give up forever to touch you
’Cause I know that you feel me somehow
You’re the closest to heaven that I’ll ever be
And I don’t wanna go home right now

And all I can taste is this moment
And all I can breathe is your life
And sooner or later it’s over
I just don’t wanna miss you tonight

And I don’t want the world to see me
’Cause I don’t think that they’d understand
When everything’s made to be broken
I just want you to know who I am
(Iris, por Goo Goo Dolls)



Levei uma semana inteira a falar de despedidas. Alguém que já considero um amigo, apesar da distância e de ter entrado na minha vida há pouco tempo, perguntou-me se não teria sido uma forma que eu encontrei, apesar de não ter falado de mim em momento algum, de fechar um ciclo para dar início a um outro. Fiquei a pensar naquilo. Sábias palavras desse meu amigo, que, para mais, é um admirador confesso de Fernando Pessoa e me mandou, tão a propósito, o seguinte trecho:

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas que já têm a forma do nosso corpo e esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia…e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.”

Touché. Sem me dar conta disso, acho que parte da minha metamorfose está terminada. Não falta muito para romper o casulo. São metáforas, bem sei, mas eu gosto de falar por metáforas. Fazer o quê.

Há pouco mais de um ano, o meu mundo, ordenado segundo uma lógica que me parecia a certa, sofreu um abanão valente. Por fora, o verniz não chegou a estalar, mas, por dentro, o estrago estava feito e não tinha como ignorá-lo. Pela primeira vez em toda a minha vida, conheci um homem a quem permiti ficar o tempo suficiente junto a mim para me sentir balançado. Desde o início que vi nele um parceiro improvável, mas hoje, a uma distância segura, vejo que houve um sentido na sua passagem fugaz. Ele, mais do que apenas desejo, como outros o demonstraram antes sem que com isso tivessem conseguido a minha atenção, revelou afecto por mim. E foi o afecto, mais do que o desejo, que me fez pensar duas vezes. Como ele percebi que podia haver ternura entre dois homens. Não cedi, mas aprendi a lição.

Abri este blogue para poder falar em voz alta, sem medo de alguém ouvir o que tinha para dizer. Fui ouvido. Escutei. Continuo a ser ouvido. Continuo a escutar. Mas sempre a trilhar o meu próprio caminho. Graças a ele, ao blogue, conheci uma pessoa de carne e osso que preferiu ficar, quiçá para sempre, na minha lembrança como um esboço do que poderia ter sido mas não foi. Durante um mês, um mísero mês, eu, que sempre me dei pela metade, vivi de migalhas. Não cheguei a curvar-me para pedir a sua presença, mas andei tão perto quanto a dignidade e o orgulho feridos o permitiram. Interroguei-me tantas vezes do porquê de estar a passar por tudo aquilo em vão…

Mas não foi em vão. Houve um propósito em tudo aquilo. Quando cheguei aqui, vinha de peito aberto, é certo, mas estava demasiado seguro de mim e do que queria ― a maioria de vocês, que me lê, foi generosa o suficiente para nunca o me atirar à cara. Uma das minhas certezas era a de que, muito dificilmente, me apaixonaria por um homem. A vida, ou que lhe quiserem chamar, encarregou-se de me enviar este homem para provar que estava redondamente enganado. Cai do cavalo, mas levantei-me e sacudi a poeira. Este homem, que me atraiu pela sua conversa e não pelo sexo, disse-me um dia: “arriscas-te a sofrer uma grande desilusão com o primeiro homem por quem te apaixonares”. Acertou, mas esqueceu-se de me avisar que esse homem era ele. Recusei-me, todavia, a dar-lhe o gosto da vitória por inteiro e fiz questão de voltar a pegar nas rédeas do cavalo.

Algum tempo passou. Olhei para trás algumas vezes, mas não cedi à tentação de inverter as minhas prioridades. Mais do que apenas sexo, eu quero cumplicidade. Não é uma escolha óbvia. Para muitos é mesmo uma escolha kamikaze e um ideal romântico. Acontece que eu não sou, nunca fui, um romântico. Sou até muito cínico em matéria de emoções, mas a minha zona mais erógena sempre teve em cima e não em baixo. Não gosto, nunca gostei, de sexo com pessoas descartáveis. Elas podem até ser meros passageiros em trânsito na minha cama, mas que durante essa travessia eu sinta que me estimularam mais do que apenas a libido. É a minha maldição, eu sei. Mas vivo bem com ela.

E foi assim, sem ter planeado, sem ter procurado, que achei. Não é uma decisão fácil nem simples. Mas desde quando é que eu gostei do fácil e do simples? Só sei que, depois de ter lutado um tempo contra, aceitei a ideia de que este novo homem não é uma mera coincidência na minha vida. Tal como os outros antes dele não o foram. Sem eles, eu ter-me-ia arriscado a que este homem passasse por mim sem me aperceber. Porque precisei aprender primeiro, está claro agora para mim, que poderia interessar-me, de verdade, por alguém como ele. Alguém que, mais do que um homem, é uma pessoa que me desafia, que me faz rir, que me comove, que me tira do sério, que se mostra do direito e do avesso, que não tem medo do peso das palavras nem de se mostrar vulnerável. Alguém que me acende o desejo, mas que me inspira muito mais do que só sexo.

Ontem fui dormir com o eco das suas palavras na minha cabeça e lembrei-me de uma música (ver epígrafe) que fez parte da banda sonora do filme City of Angels, com Meg Ryan e Nicolas Cage. É o tipo de música que eu elejo para dançar à chuva. Imaginei-me ali, de braços estendidos, de roupa colada ao corpo, de alma lavada. Não chovia aqui, mas chovia lá, de onde a voz dele me chegou.

9 comentários:

Anónimo disse...

EBAAAAAAAAAAA!!!
Sábia análise dos sábios tapas na cabeça que a dita Vida te deu. Que bom que aprendeu logo, porque os tapas vêm mais fortes com o tempo, se a gente teimar, hehehe...
Feliz pela metamorfose. Feliz pela emoção que bateu à sua porta e você permitiu entrar.
Beijo!

Latinha disse...

Bom, sábias palavras do Edu, por isso que ele é o meu Mestre WinEdu favorito.

Boas travessias meu amigo!!!

RIC disse...

Parece mesmo que fazemos todos as mesmas travessias, cedo ou tarde... E quando pensamos que uma delas é muito nossa, a guardamos no silêncio do nosso íntimo e não a revelamos a ninguém, eis que ela aparece «escarrapachada» onde menos poderíamos esperar...
E, de repente, lembrei-me de «Killing me softly with his song»...
Abraço! :-)

Anónimo disse...

www.powerball.com.br é a coisa que tive coragem de pagar R$ 240 pra ficar enfiada perdida numa gaveta daqui uma semana, eu garanto! :-)

João Roque disse...

Amigo Oz
já que adaptaste, e que bem o fizeste, canções, aos teus textos de Despedida; quer ainda por ter este texto feito lembrar ao Ric a famosa e belìssima canção de Roberta Flack, eu atrevia-me a dizer-te que associo o texto, que é um retorno, e ainda bem aos teus pessoalismos, a uma outra música célebre: "You are my destiny" de Paul Anka.
Há tempos deste um passo importante, ao aceitares o teu EU completo, agora, não poderás continuar a "fugir" indefenidamente ao teu destino, pois ele é parte importante da tua felicidade. Força, sem medo...
Abraço.

Will disse...

Uma sábia análise da tua caminhada (parece-me)...

Excelente post (assim para o romântico, eheheheh)

Abraço

Manuel Braga Serrano disse...

caro Oz... com tamanha lucidez, quem precisa de terapia :-) felicidades nesta nova fase. Abraço!

BlueBob disse...

Olá amigo Oz!

Está sendo interessante acompanhar essa sua metamorfose daqui. Realmente vc mudou desde quando tive a honra de ser o primeiro a comentar em seu blog. E acredito que as mudanças sempre continuarão ocorrendo em nossas vidas. Viva as mudanças!!

Beijos

FOXX disse...

aos poucos a gente vai crescendo né oz?