9.5.07

O beco


Abandona o bar a medo, mas o chamamento é mais forte. Tenta abstrair-se do eco quase ensurdecedor do seu coração a bater disparado. O bar está apinhado, mas na rua mal iluminada não se vê vivalma àquela hora da madrugada. Do outro, nem sinal. Não pode ter ido muito longe, pensa. Hesita por um instante, mas repara num beco mais a frente. Aproxima-se. Está ofegante e o suor escorre-lhe pelo rosto, apesar da brisa fresca. Avança, mas logo recua atordoado. Um cão escanzelado sai enxotado da ruela e quase esbarra nele quando se preparava para dobrar a esquina. Refaz-se do susto. Está agora à entrada do beco. Como imaginava, é um gaveto entre dois prédios, um lugar sombrio, sem janelas, com um odor fétido a urina e a restos de lixo. Dá mais alguns passos. Os seus olhos demoram algum tempo a habituar-se à escuridão ― aquele beco está ainda menos iluminado do que a rua de onde veio. É uma loucura o que está a fazer, sabe-o bem, mas o desejo sobrepõe-se já à razão.

Vê primeiro a ponta incandescente de um cigarro, só depois o distingue a ele. Encostado à parede com um olhar aceso. Está à sua espera. Sente-se tentado a correr dali para fora, mas as suas pernas fazem precisamente o contrário, obedecendo a uma ordem que ele não se lembra de ter dado. Estão frente a frente. E assim ficam por um tempo que lhe parece absurdamente longo. Não sabe o que fazer a seguir. Por fim, o outro atira a beata para o chão. Fá-lo sem pressas e nem se dá ao trabalho de a pisar. Agarra-o pelo pescoço e puxa-o para si. Beijam-se com sofreguidão. Além da mão no pescoço, que não o deixa descolar do beijo, uma outra mão pesada começa a deslizar por si. Detém-se na braguilha. Sente o seu baixo-ventre em carne viva por debaixo da roupa.

O outro solta-lhe a boca, mas não o larga e empurra-o contra a parede, onde fica pespegado como um animal encurralado. A libertação da adrenalina não lhe permite sentir medo, apesar de se saber cada vez mais indefeso. O outro, sem proferir uma única palavra, baixa-se e mergulha entre as suas pernas. Sente-se fraquejar à medida que é devorado. Qual presa na boca do predador faminto. O seu corpo, que se lhe afigura como uma entidade separada de tudo o resto, estremece resfolegante. Apesar de bem amparado pela parede, sente uma vertigem e, por momentos, não sabe onde agarrar-se quando se vê à beira do precipício. Mas eis que o torpor o abandona e, aos poucos, sente-se voltar ao seu corpo.

O outro não lhe dá descanso. Aproveita que as suas calças estão desapertadas e fá-las descer até à altura dos joelhos. Os seus gestos continuam bruscos e certeiros. Ele obedece mais uma vez. Sem dizer um ai. Mesmo quando o outro o vira de rosto contra a parede. De costas voltadas, pressente os movimentos alheios. Deixa-se estar. Agora é tarde demais para recuar. O outro chega-se a si e entra à força, sem cerimónia. O vaivém dos corpos obriga-o a roçar-se vezes sem conta na parede rugosa, mas essa é uma dor que só sentirá mais tarde. Por agora, o seu corpo está demasiado febril e não lhe obedece. O ímpeto do outro começa a amainar, até que se esgota por completo. Ele não se mexe. Com o rosto colado à parede. De costas voltadas. Primeiro, ouve o outro compor-se, e só depois a afastar-se. Ele deixa-se ficar mais um pouco. Sente-se esvaziado, mas saciado. Dá-se conta que do outro não se recorda mais do que de dois olhos acesos num beco sem saída.

12 comentários:

Anónimo disse...

Vixe, gozei!!

Pralaya disse...

Muito estranho, cru... parecia uma cena como as do filme "Querelle".

Râzi disse...

Meninooooo!!!
HAuahauhauhauahuah!

Coloca as coisas de um jeito muito lírico!!!

E olha, a sua narrativa é tão gostosa que não tem como não ver a cena acontecendo! E adivinha a cara de quem estava no rapaz enCU-RALADO na parece????


Hauahuahauhauhauha1

Beijão, meu querido padeiro!

Will disse...

Isso parecia a cena da Mónica Belluci no "Irreversible", lolololol!

DE CORPO E ALMA disse...

Frio e brusco quase impessoal e qual de nós não passou por um beco assim?

BlueBob disse...

Muito bom Oz, visceral!

Vai ter mais?


Beijos

Moura ao Luar disse...

Olha nao me parece nada mal, so espero é que os fulanos tenham usado camisinha. Mas uma queca assim... uiui loucura

Latinha disse...

Perfeito, adorei a narrativa... ao ler parecia até que estava espiando a cena. Me sentia prestes a ouvir a respiração ofegante de ambos.

Abração ;-)

Anónimo disse...

Nú e crú. Gostei muito.

FOXX disse...

uau!
adorei!
adorei mesmo... principalmente...

"Sente o seu baixo-ventre em carne viva por debaixo da roupa"

e...

"O outro, sem proferir uma única palavra, baixa-se e mergulha entre as suas pernas. Sente-se fraquejar à medida que é devorado"

imagens perfeitas!!!


=]

disse...

Um texto de tão realista que é que se consegue imaginar' na perfeição!

Abraços e bom fim de semana Oz.

Anónimo disse...

Ah, tenho que comentar.
Querido, fiquei de pau duro. Como o l. antão disse: quem di nós já não passou por isso? Eu mesmo já me vi em muitos becos desses gemendo baixinho, abandonado ou leu e ao fel.
Maravilhoso!!!
Beijos!